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Mecânica da Similaridade e suas Aplicações

Nesse vídeo, nós vamos estudar uma ferramenta muito útil chamada mecânica da similaridade. Como a gente viu nos últimos vídeos, o problema central da mecânica, a versão direta dele, é conhecida uma função força calcular as equações de movimento. E, para tanto, a gente tem que resolver aqui a segunda lei de Newton, que é uma equação diferencial de segunda ordem, como a gente viu. E a ideia é que, mesmo antes de você resolver a equação diferencial, o conhecimento apenas de qual é essa função força já permite que você anteveja propriedades super interessantes da solução sem precisar resolver ela efetivamente. No vídeo passado, a gente estudou a análise dimensional, e nesse a gente vai agora analisar a mecânica da similaridade, que é uma técnica extremamente poderosa. Então, antes de entrar na técnica, deixa eu começar introduzindo com a seguinte observação. Imagina que você tem aqui, sei lá, um planeta girando em torno do Sol, e aí você observa que a órbita desse planeta é essa elipse que está aqui ilustrada na figura. E aí você pega e coloca aqui um outro planeta, né, numa distância diferente do Sol. Cara, em princípio, quando você muda a distância, multiplica aqui por um certo fator, né, está reescalando a distância, Em princípio, a trajetória que ele vai seguir vai ser inteiramente diferente. Inclusive, se você pega o corpo que estava aqui inicialmente com uma certa velocidade, tá? E coloca um outro aqui mais longe com a mesma velocidade, o movimento não precisa nem ser limitado. Ele pode não ficar preso pelo Sol, pode ir para o infinito, seguir uma hipérbole. Ou mesmo que ele fique aqui ainda girando em torno do Sol, pode ser uma elipse totalmente diferente da elipse que está aqui embaixo. Porém, se você escolher precisamente a velocidade que você vai colocar, no caso aqui eu terei que colocar uma velocidade menor, por um fatorzinho menor aqui, se você colocar uma velocidade específica calculada, você pode ter a mesma órbita que antes, só que reescalada. Então aqui o desenho não está muito bom, mas a ideia é que essa órbita aqui de fora é exatamente a mesma que a de dentro, reescalada por um fator. Então a ideia central da mecânica da similaridade vai ser ver... como que a gente tem que reescalonar. Então, se você pegar essa distância que o planeta estava inicialmente do Sol e dobrar ela, o que a gente tem que fazer com a velocidade? Qual é o fator que a gente tem que multiplicar para que a órbita seja a mesma, só reescalonada? Então, a mecânica dessa similaridade se baseia justamente em você tentar estabelecer relações de escala nas suas soluções, que você, como a gente vai ver, consegue obter. Muito antes de resolver precisamente a equação diferencial. E é isso que a gente vai tentar fazer no vídeo de hoje, tentar descobrir essa simetria de escala que tem em vários problemas da mecânica, não todos, mas em vários problemas de mecânica. Então a ideia central vai ser a gente buscar transformações de escala de forma que elas deixem a equação de movimento invariante. Esse é o coração da mecânica da similaridade. E essa ideia vai ficar mais clara ao longo dos próximos slides, nos exemplos. Primeiro, vamos buscar as seguintes transformações. A nossa equação de movimento, a gente vai escrever nessa forma, F igual a MA. Imagina que a gente tem as seguintes transformações. A gente pega a posição e leva em uma posição nova. A gente rescala a posição. A gente leva em uma posição R', que é αR. A gente pega o tempo e rescala o tempo. A gente leva o tempo em um tempo que é βT. Então, nota muito a atenção nessa parte, não é uma mudança de referencial que eu estou fazendo, não tem nada a ver com mudança de referencial. A gente está reescalonando as grandezas, ou seja, eu estou pegando todas as posições do meu problema e estou multiplicando por alfa, estou levando um problema diferente. Estou pegando todas as escalas de tempo e estou multiplicando por beta. E estou querendo ver se eu vou ter uma dinâmica semelhante ou não. E aí, como é que a gente vai analisar isso? Bom, primeiro a gente então... Vamos ver como é que o lado direito dessa equação se transforma por essa mudança. Nota que massa não foi alterada, tá? Porque a gente mexeu só no espaço e no tempo, então a massa ficou inalterada. Só que a aceleração, ela ganha um fator, porque a aceleração é comprimento sobre tempo ao quadrado. Cada comprimento ficou multiplicado por alfa, e cada tempo ficou multiplicado por beta. Então a aceleração vai ganhar um alfa sobre beta ao quadrado. Como a massa não mudou, Eu concluo que esse meu lado direito da equação se transformou da seguinte forma. Ele ficou multiplicado por α sobre β². Então, a ideia é a seguinte. A ideia é que, para que essa transformação de escala deixe a equação de movimento invariante, é importante que a força mude do mesmo jeito. Agora, como é que a força se transforma? Depende da força, tá? E é isso que a gente vai explorar nos próximos exemplos. Então, a ideia é justamente buscar a alfa e beta, tais que a segunda lei de Newton não mude. Então, vamos analisar esse exemplo aqui primeiro, o exemplo da queda livre. E aí, então, como a gente viu, o lado direito, ele vai ganhar aqui um alfa sobre beta ao quadrado. O lado esquerdo, eu tenho que conhecer qual é a força. No caso da queda livre, aqui um exemplo da maçã em queda livre, atua sobre ela uma força peso que é constante. A ideia é justamente que a força peso não muda. E como a força peso é uniforme, a ideia é justamente que você reescalonar as distâncias e os tempos não vai mudar essa força, porque ela é constante e uniforme. De modo que, nesse caso, o lado esquerdo da equação não muda, ele fica multiplicado por 1. Então, qual é o único jeito dessa equação ficar invariante? É o lado direito não mudar também. Então, a gente está concluindo aqui uma coisa profunda, que α tem que ser igual a β². Agora, quem era α? α é quanto eu multipliquei as distâncias todas. Então, em particular, a altura de queda. Significa que, no lugar de α, eu posso escrever α corresponde ao h'sobre h, ou seja, quanto eu multipliquei minha altura. β corresponde a t'sobre t. Então eu estou dizendo que os tempos de queda são proporcionais à raiz da altura. É o que você obtém lá quando você resolve a equação de movimento. No ato que essa análise aqui, a gente considera que a velocidade inicial é zero. A gente mais para frente no vídeo vai ver o que acontece quando não for. Mas aí, só por uma análise de escala, sem resolver a equação, sem fazer nada, você vê que o tempo de queda é proporcional à raiz das alturas nesse exemplo. Tem outros exemplos mais sofisticados. Vamos agora analisar o que acontece no caso da gravitação universal newtoniana. Agora, a força é proporcional ao inverso do quadrado das distâncias. Ela não é uniforme, ela tem uma escala de distância dentro dela. Ela não depende das velocidades, ela não depende do tempo explicitamente. Então, essa força realmente, o que vai acontecer é que quando eu pego as distâncias e multiplico por α, essa força é elevada em 1 sobre α² vezes F. Então, agora, quer dizer, nesse caso, o que acontece? Vamos fazer aqui a conta. A força ficou multiplicada por 1 sobre α². E para a equação ficar invariante, eu tenho que ter que isso seja igual a α sobre β². Então, quer dizer, multiplicando aqui cruzado, você vai ver que o α³ tem que ser o β². Ou seja, a razão entre escalas de comprimento ao cubo tem que ser igual... A razão entre escalas de tempo ao quadrado, tá? O que está ligado diretamente com a terceira lei de Kepler. Então, olha que resultado profundo você está chegando, sem ter que resolver nenhuma equação diferencial. Só vendo como a força escala no seu problema e fazendo uma certa transformação que você escolheu fazer para o tempo e para o espaço. Então, você vê um resultado super profundo que o cubo aqui é... das razões entre as escalas de comprimento do seu problema, vai escalar com o quadrado das escalas de tempo. Agora, nota que isso não é exatamente a terceira lei de Kepler. A terceira lei de Kepler é mais sutil ainda que isso. E a razão é que a mecânica da similaridade se aplica a órbitas similares, justamente. Eu estou comparando essa órbita com essa outra órbita, que, perdoem o desenho, mas é só a reescalada, é a mesma órbita, mas reescalada. Nesses casos, eu posso dizer que essa razão entre os cubos das escalas de distância vai ser igual à razão entre os quadrados das escalas de tempo. Então, nota que esse argumento aqui vale para qualquer escala de comprimento do seu problema. Eu posso, por exemplo, dizer que entre essas órbitas reescaladas, o tempo que você gasta nessa órbita de fora aqui, que é o t', sobre o tempo para dar uma volta nessa órbita de dentro, que é o t, ao quadrado vai ser o cubo das razões entre os semieixos menores das elipses, tá? Mas vale também para os semieixos maiores. E faz sentido, porque um é proporcional ao semieixo menor, é proporcional ao semieixo maior, né? Então, quando você compara essas duas óbitas similares, essa constante de proporcionalidade corta, e o A'sobre A³ é igual ao B'sobre B³. Isso vale para outras escalas de comprimento, se você quiser comparar os perímetros, vai dar o mesmo. O perímetro da órbita maior sobre o perímetro da órbita menor, o cubo, vai ser igual à razão entre os períodos ao quadrado. Então, vale para qualquer escala de comprimento comparando órbitas similares. A terceira lei de Kepler é mais profunda. Ela mostra que vale uma relação desse tipo, tá? Sendo que você está comparando órbitas que não são similares também. E aí só vale quando você bota aqui o semieixo. maior. Se você puser o semieixo menor ou o perímetro, aí não vale mais. Então, a terceira lei de Kepler ainda tem uma camada mais de complexidade, que a gente vai discutir em detalhe quando a gente estudar a gravitação. Só que olha o resultado profundo, nem que seja só para órbitas similares, mas que você já conseguiu obter sem resolver nenhuma equação, só analisando como que as leis escalam. E vocês podem brincar à vontade com essas ideias, não precisa ser espaço-tempo, vocês podem reescalonar o que vocês quiserem. Você pode, por exemplo, reescalonar a massa. Levar massa no M'que é γM e o tempo você agora leva no T'que é βT. E aí você agora vai ver como que as escalas de massa se relacionam com as escalas de tempo no seu problema. Então, por exemplo, quando você faz essa transformação, nota que a massa ganhou 1 γ, a aceleração, como a gente viu, ganhou 1 sobre β², agora você não mexeu na distância, então não tem α nenhum, tá? Então o lado direito ficou multiplicado por γ sobre β². Para você analisar órbitas similares, você vai ter que buscar gamas e betas que deixem essa equação invariante. Isso vai depender de como a força se comporta com essa mudança de escala do seu problema. No caso da gravitação em particular, a força depende do quadrado das massas. Vai ser o produto das massas, no caso, por exemplo, da Terra com o Sol, vai ser a massa da Terra vezes a massa do Sol. Então a força gravitacional ganha um γ² aqui, certo? Então quer dizer, para ficar invariante a equação de movimento, eu preciso que esse γ² que a força ganhou seja igual ao γ sobre β² do lado direito. E aí abrindo a equação vocês podem enxergar nessa expressão aqui, ou seja, a razão entre os tempos das órbitas similares ao quadrado vai ser igual ao inverso da razão das massas. Então aqui o linha está em cima e o linha está embaixo. Que também é um caso particular da terceira lei de Kepler, como vocês podem verificar. Então, quer dizer, qual é o poder da mecânica da similaridade? Em que problemas ela é aplicável? Ela é aplicável quando a força F escalar de uma maneira, ela for escalável com algum parâmetro. Então, por exemplo, você tem um problema que não é aplicável, não seria aplicável a mecânica da similaridade. Imagina que essa força F, ela dependa de uma exponencial de R sobre R0. R0 é alguma constante. Então, nota que agora se eu pegar o R e multiplicar por α, a força fica elevada a αR sobre R0. Então, ela não é escalável. Quer dizer, essa força aqui não é nenhuma constante vezes o que ela era antes. O valor novo dela, inclusive, depende totalmente do R. Ela não é proporcional ao que ela era antes. Então, quando ela não é escalável, você não pode usar a mecânica da singularidade. Mas a graça é que zilhões de forças são. E mesmo que, às vezes, ela, nesse exemplo, não é escalável com R, mas talvez ela fosse com a massa, talvez ela fosse com outros parâmetros. Então, sempre que você tiver parâmetros nos quais a força seja escalável, você pode ver como que a sua solução vai depender desses parâmetros. E a graça é que muitas, mas muitas situações de interesse, porque a gente botou a interação gravitacional, colocou... Ali também, cada livro também é interação gravitacional, mas no caso é diferente, que a força é aproximada por constantes. Você tem zilhões de outras expressões de força que são escaláveis. E aí esse tipo de raciocínio é muito, muito útil. E além de ser, na minha opinião, muito elegante também. E sempre que a força for uma lei de potência, você vai poder fazer esse tipo de análise. Vamos voltar aqui, mas tem várias sutilezas que a gente vai pegando aos poucos quando a gente vai usando a técnica. Então a primeira delas é a seguinte, nota que vamos voltar ao que a gente fez da queda livre, que a força não muda, e aí a gente concluiu que o alfa tem que ser igual a beta ao quadrado. Isso está tudo certo. E aí se você imediatamente lê a fórmula desse jeito, você fala, então o tempo é proporcional à raiz de altura. E a gente sabe que isso só é verdade se a velocidade for zero. Então qual é a sutileza aqui? O fato... É que a velocidade também vai ser reescalada, porque ela vai no V', velocidade é tempo sobre distância. Opa, eita, é distância sobre tempo, eu acessei física 1 aqui. Então V'vai ficar multiplicado por α sobre β. E α sobre β, uma vez que o β é a raiz de α, nessas escalas similares, ela é a raiz de α vezes v. Então, você também tem que escalar a velocidade. Isso é importante. O que isso significa na prática? Então, imagina que você tem um problema que é o seguinte, você solta uma pedrinha aqui, uma bolinha, de uma altura h com uma certa velocidade v₀. Isso é semelhante... Há um movimento no qual você solta de uma altura αH com uma velocidade raiz de α vezes v0. Você tem que ganhar essa raiz de α aqui. E aí, se você compara esses dois problemas, eles são similares. Então, eu posso garantir que agora o tempo que levou nesse primeiro problema, vamos chamar de t, ele é a raiz de α vezes t no segundo problema. Essa é a raiz de α vezes maior nesse caso. Então, você tem que sempre ver todas as escalas relevantes. No caso, fica mais simples quando o v é igual a zero, porque aí se você solta do repouso, zero multiplicado por qualquer coisa é zero, vai soltar do repouso nesse caso também. Então, o problema é que se você solta do repouso, a mecânica de similaridade é muito prática, porque direto você vê que a razão entre as alturas vai ser proporcional ao quadrado da razão dos tempos. Mas é... Mas isso, no caso mais geral, vai ser uma lei um pouco mais sutil, que vocês podem inclusive verificar diretamente. Então, refaça essa conta que vocês fazem lá desde o ensino médio, resolver um básculo. Acha esse tempo de queda em função dos dados do problema. Você vai ver que a solução é essa daqui. Então, olha só. Pega, multiplica por raiz de alfa a velocidade. Então, aqui vai ficar multiplicado. Velocidade ao quadrado vai ter... alfa e então vai sair para fora aqui uma raiz de alfa. 2gh, o h ficou multiplicado por alfa, então também saiu para fora uma raiz de alfa. V0 ficou multiplicado por raiz de alfa, então saiu para fora de novo uma raiz de alfa. Ou seja, o tempo todo ficou multiplicado por raiz de alfa, que era exatamente o que a gente tinha comentado. Então, claro que você pode falar, pô, mas esse problema acaba sendo tão complicado que não necessariamente ele vai ser útil. Mas várias situações... é útil, além de ser um teste de consistência importante, às vezes, para a sua resposta no final. Essa conta aqui é básica, mas uma equação diferencial muito sofisticada, começa a cada vez ficar mais em conta você fazer uma análise de escalas. E, realmente, em alguns casos em particular, o caso em que V0 é 0, ele é muito imediato. Então, todo esse probleminha de, ah, você agora solta do dobro da altura, qual o tempo que leva? Você não precisa resolver básica para isso. E o que eu estou dizendo, nesse caso, ainda como as contas são simples, E para quem está vendo pela primeira vez o mecânico da similaridade em um troço abstrato, fica parecendo que compensa mais fazer a conta. Mas quando você começa a ter que fazer contas mais complicadas, a dificuldade do raciocínio de escala é sempre a mesma. É sempre essa que está nesses slides. E aí começa, enquanto você vai treinando, você vai fazendo eles cada vez mais rápido. E como eu disse, além de tudo, é elegante. Para finalizar, eu deixo para vocês um probleminha que dá para resolver com o mecânico da similaridade. Um probleminha prático. Então aqui um relojueiro, ele quer economizar. o tamanho das cordas que ele usa para construir o relógio de pêndulo dele. Aqui estão os relógios, ele faz os relógios bonitos. E ele quer usar a corda 20% menor. E a pergunta é a seguinte, se antes cada oscilação correspondia a 1 segundo, quantas oscilações do novo pêndulo vão corresponder ao mesmo intervalo de tempo? Então se ele quer manter aqui, se ele vai querer sincronizar esse relógio novo dele, quantas oscilações ele vai ter que esperar agora com essa corda menor? E vocês vão achar útil, né? Bom, lembra que aqui a gente tem... o pêndulo oscilando, depois mais pra frente no curso a gente vai abrir essas contas melhor, mas usem aqui a equação de movimento, pra vocês poderem ver como que vai escalar, né? Então, isso aqui é uma equação que vale só pra pequenas amplitudes. Pra grandes amplitudes, vocês podem até fazer o cálculo, em vez do φ vai ficar um seno de φ. E aí a mecânica da similaridade não é mais aplicável pra responder esse problema. Mas nas pequenas amplitudes vai ser aplicável porque vai escalar de um jeito simples, né? Aqui é uma potência, né? Então fica aí esse desafio para vocês fazerem, qualquer coisa tragam para o nosso encontro. Essa é a mecânica da similaridade e a gente vai tentar aplicar ela de vez em quando, sempre que possível, ao longo do curso. Isso encerra esse vídeo.