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Filosofia de Hans Jonas

Salve, amigas e amigos da filosofia! Bem-vindos a mais uma das nossas conversações filosóficas. Hoje eu vou conversar com o professor Gelson Oliveira, que está falando de Curitiba, professor da PUC do Paraná. É um prazer muito grande recebê-lo aqui.

Ele fez o doutorado dele em filosofia na UFSCar, onde eu também fiz. Então, colega de instituição. Muito legal. E eu sei que foi sobre o Nietzsche, mas além do Nietzsche, ele estuda vários outros autores.

Um deles é o Hans Jonas, que é um ator muito importante para pensar várias questões que estão atormentando a nossa existência, o meio ambiente, sobretudo, e questões existenciais também. Então, vai ser muito interessante ouvir o professor falar sobre isso. Mas eu queria começar com uma pergunta para falar um pouco da sua trajetória, como é que foi a opção por esses autores.

também pela filosofia, as instituições pelas quais passou, para a gente começar a conversa. Bom dia e obrigado pela presença aqui no canal, Gelson. Olá, Caio.

Eu que agradeço, queria saudar você e dizer que é uma alegria imensa estar conversando contigo, saudar também todos os ouvintes, espectadores do canal, parabéns pela iniciativa, nesse momento tão importante da nossa história e ao mesmo tempo de tanto vazio. Preencher essas redes também com coisas interessantes, principalmente com filosofia, é uma boa iniciativa. Então, parabéns. Agradeço muito realmente o convite.

Eu venho trabalhando há muitos anos com Nietzsche, foi meu filósofo de cabeceira, por isso fiz o doutorado com a Thelma, que foi também orientadora, então fiz o doutorado na UFSCar. Minha ideia no doutorado foi trabalhar a crítica de Nietzsche à Schopenhauer, então eu trabalhei... com, na verdade, a partir de um fragmento do Nietzsche que diz que a ética da compaixão precisaria de uma espécie de complemento, de uma ética, de uma superior ética da amizade. Então, eu tentei reconstruir o que seria essa ética da amizade em Nietzsche, que é um tema muito frequente na obra do Nietzsche, mas com pouca pesquisa.

Eu vinha de um mestrado que eu fiz aqui na Federal do Paraná. que foi sobre a solidão, tem até o meu livro, A Solidão como Virtude Moral, depois também lancei a tese, que é para uma ética da amizade, em Friedrich Nietzsche, e então esses temas aí sempre me... eu gostei muito desses temas do Nietzsche, que não fossem esses grandes temas, veja, vontade de poder, morte de Deus, niilismo, sobre isso tem muitos trabalhos, e eu acho que a gente pode entrar também no Nietzsche por portas, vamos dizer assim, alternativas. E essa foi a minha tentativa com o tema da solidão, depois com o tema da amizade. E com o tema da amizade, Caio, eu fui também pesquisando ou tentando me aprofundar no chamado segundo período da obra do Nietzsche, que acabei me interessando bastante, o Mano Demasiado Humano, Aurora, H.S. Ence, esses anos aí de 76, com o rompimento com Schopenhauer e Wagner, até 82 mais ou menos.

Obviamente que quando a gente estuda um autor, a gente... É difícil manter preso a uma categoria desse tipo, uma categorização desse tipo, mas enfim, é por aí que eu caminhei e também daí fui me encontrando com os moralistas franceses, com a questão dos sentimentos morais, que foi uma coisa que sempre me chamou atenção também, para estudar como é que a moralidade poderia ser explicada, que não por uma via metafísica, tipo aquela de Schopenhauer. Então é por aí que eu pesquisei, eu fiz graduação aqui na Federal também do Paraná, em 2004 eu comecei a trabalhar na PUC aqui no Paraná também e enfim, estou aqui até hoje, já exerci vários cargos, coordenação, essas coisas aí chatas do mundo acadêmico e há uns 10 anos, Caio, eu por acaso me encontrei com o texto do professor Jacóia, que então sendo nitiano, a gente sempre lia o Jacóia aliás o Jacóia agora é meu colega aqui, tenho honra de trabalhar com ele aqui na PUC E ele tinha escrito um primeiro texto, talvez o primeiro texto no Brasil sobre o Hans Jonas. E eu já vinha de uma espécie de um interesse muito grande pelas questões ambientais, não me considero um militante, mas uma pessoa interessada e preocupada com essas questões ambientais. Então, a partir desse texto do Jacóia, que tinha se encontrado pessoalmente com o Jonas quando ele foi fazer doutorado na Alemanha, nos anos 80, e tinha ficado muito impactado.

impactado, segundo ele mesmo relata, com a personalidade do Jonas e também com a obra dele, que neste momento na Alemanha era muito falada, muito comentada, era, digamos assim, dava margem, havia muitos eventos, muitos congressos sobre a obra do Jonas, que tinha acabado de ser lançada, que se chama O Princípio Responsabilidade. em saída de uma ética para a civilização tecnológica, que foi lançada em 1979. O Jonas, embora ele tenha vivido nos Estados Unidos a maior parte da vida dele, da segunda parte, da última parte da vida dele, vamos dizer assim, fugindo, portanto, do nazismo, ele é um filósofo alemão, nasce em 1903 e morre em 1993, então atravessa todo o século XX, como judeu, então ele tem que deixar a Alemanha, mas quando ele escreve o princípio responsabilidade, ele escreve em alemão. Então ele achava que a filosofia dele seria melhor compreendida na Alemanha do que nos Estados Unidos, uma tradição muito pragmática, vamos dizer assim.

E depois quando eu tiver a oportunidade de falar mais sobre a obra dele, vocês vão ver que realmente faz mais sentido a ligação dele com a Alemanha. Então ele publica e o Jacob tinha conhecido ele e traduziu, meio que traduziu, escreveu um texto sobre o Jonas. Então isso me despertou muito interesse, eu fiquei alucinado quando eu vi as ideias. Tinha uns slides, inclusive, de umas aulas que um colega meu tinha e me emprestou.

E eu comecei, inclusive, a falar do Jonas, mesmo sem ter lido o livro, em sala, porque me identifiquei muito mesmo. E, deixa eu ver, agora nós estamos em 2020, então em 2010 foi realizado em Pelotas um primeiro congresso sobre o pensamento do Jonas, um simpósio, na verdade. sobre o pensamento do Hans Jonas no Brasil.

Eu fui nesse simpósio, a gente organizou, então, a partir daí, um grupo de pesquisa que foi dar num GT da Ampov sobre Jonas, do qual eu fui coordenador durante uns anos e hoje sou membro. E o Jonas, então, cresceu bastante, vamos dizer assim, do ponto de vista da minha pesquisa. Eu comecei a pesquisar, então, a publicar, a ter, enfim, orientações. E a gente aqui na PUC...

teve bastante interesse também, por um acaso destino, de alunos. Então, no fim, a pesquisa do Jonas cresceu bastante, ocupou bastante meu tempo, meus interesses. A gente hoje talvez seja um dos grupos mais, digamos assim, ao redor do mundo. Nós representamos aqui na PUC do Paraná, hoje, um dos grupos mais atuantes, junto com outros colegas, obviamente, do Brasil. que pesquisam, traduzem, e têm interesse, então, tanto de divulgar a obra do Jonas, quanto de traduzir a obra dele e de aprofundar, enfim, trazer debates, colocar, de alguma forma, o Hans Jonas também, e aí eu acho que isso também é importante dizer, em debate com a conjuntura nacional.

Eu considero que poucos países do mundo, Caio, têm um desafio tão grande de articular a relação da natureza com... com a tecnologia, ou se você quiser, da natureza com desenvolvimento, ou a velha questão civilização e natureza como o Brasil. O que a gente vem assistindo nos últimos anos e praticamente nos últimos meses entra aí toda a destruição ambiental, os desastres ambientais provocados pelas empresas, como, sei lá, Brumadinho, mas também os eventos naturais que têm a ver com aquecimento global.

Eu estou falando aqui de Curitiba, por exemplo. Nós estamos vivendo hoje uma das maiores secas da história da cidade, da história do Estado, e isso obviamente tem a ver com a mudança do regime de chuvas. E eu também considero a questão, por exemplo, das queimadas da Amazônia, e mais ainda, Pantanal, e mais ainda a questão dos rumos do desenvolvimento brasileiro.

A gente não conseguiu solucionar uma coisa que nós tínhamos a faca e o queijo na mão, que era justamente promover um tipo de desenvolvimento. que agredisse menos, ou que não agredisse o meio ambiente. Então essa questão me chamou atenção, hoje eu coordeno outro GT da Ampov, que é um GT de filosofia da tecnologia e da técnica, que é um GT também novo, em que a gente discute justamente essas questões ligadas à relação do meio ambiente com a tecnologia.

Enfim, é mais ou menos essa a minha trajetória. Legal, muito bom, Gelson, ouvi-lo sobre os interesses. E o Jonas, realmente, talvez seja um dos autores que digam mais a nossa condição atual no Brasil, tudo que a gente tem vivido nos últimos tempos.

Você falou de Brumadinho, a questão da Amazônia, o Guarapantanal também, todo o nosso ecossistema sendo objeto de exploração e responsável. Então, o princípio responsabilidade vem... justamente problematizar essas coisas. Não sei se você quiser falar um pouco mais agora sobre a obra dele, até pensando assim, uma apresentação, quais são as... textos, o tempo, a época que ele viveu e depois falar desse texto que eu acho que é o mais importante, também você pode me corrigir se não for, para a gente conversar mais agora sobre o Jonas.

Perfeito. Então, como eu disse, o Jonas, um filósofo alemão, nasce em 1903, ele desde o primeiro, bom, eu queria dizer assim, o Jonas ele tem um pé muito no século XX, eu já falei isso, queria acentuar isso, não só porque ele viveu, veja, em 1903, morre em 93. Mas porque ele assistiu e participou diretamente, Caio, de grandes acontecimentos do século XX. O primeiro deles tem a ver com a guerra, as duas grandes guerras, ou seja, e de maneira especial a Segunda Guerra Mundial, o Jonas é muito envolvido, ele é judeu, então ele sofre na pele essa situação, tem a família toda dilacerada por causa da situação da perseguição do nazismo.

A mãe, inclusive, morre em Auschwitz, uma ferida aberta, que sempre sangrava, como diz ele na sua própria história. Ele só descobre a morte da mãe, o paradeiro da mãe, quatro anos depois, quando ele volta à Alemanha. Volta à Alemanha, inclusive, para lutar contra o Hitler, num grupo do exército inglês, formado só por judeus, que vai para a Alemanha para lutar contra o nazismo. Então, ele também participa da guerra como um soldado.

Na guerra, ele se dá conta da fragilidade da vida. E eu queria destacar o fato de que a Segunda Guerra Mundial é, do ponto de vista ético e filosófico, um grande evento, não só histórico, um grande evento porque, de alguma forma, a Segunda Guerra Mundial, Caio, ela consolida uma espécie de... Ela consolida o niilismo.

que tinha nascido no final do século XIX e chegou, digamos assim, se concretizou de forma muito clara na Segunda Guerra Mundial. Esse, inclusive, foi o tema desse livro que eu lancei em 2018, Negação e Poder, do desafio do niilismo ao perigo da tecnologia, e que eu justamente tento tematizar como é que a guerra consolidou a Segunda Guerra Mundial, primeiro por causa do esvaziamento da ideia de natureza humana, de sujeito, Que que a Hannah Arendt, por exemplo, trabalhou muito bem, mas também por causa do uso da tecnologia para a destruição em massa. Então, Jonas viveu a guerra e ele viu a fragilidade da vida, não só do ponto de vista da gente mata indivíduos na guerra, mas é uma guerra agora que mata a vida em geral, que coloca a própria vida em xeque, por causa do poder da bomba atômica, de maneira especial.

dos experimentos com seres humanos nos campos de concentração, que eu considero os dois maiores crimes técnicos do século XX. Ou seja, de um lado, a tecnologia de ponta, usada para destruição em massa, e de outro, a biotecnologia, ou se você quiser, a medicina, esse lado, digamos, do uso da tecnologia para a vida, ou justamente para a morte, para o contrário do que deveria ser. Então, Jonas participa disso.

Ele também tem uma sorte danada, do meu ponto de vista, porque desde jovem ele identifica-se nele uma vocação filosófica muito forte. E os pais então mandam ele estudar com os dois maiores filósofos, dois ou três maiores filósofos do século XX. Ele teve a sorte também de viver num tempo histórico, num espaço geográfico, que deu a ele a oportunidade de estudar com Edmund Russell.

e com o Martin Heidegger. Ele vai estudar, então, em Freiburg, depois em Marburg, com o próprio Russell e com o Heidegger. Foi, então, orientando de doutorado do Heidegger, se encontra com o famoso teólogo Rudolf Bultmann, que era um teólogo que também participava das rodas heideggerianas, do qual o Jonas ficou muito amigo.

Neste grupo aí do Heidegger, o Jonas tem oportunidade também de participar desta playa, vamos dizer assim, de grandes estrelas que estão em torno do Heidegger, né? Karl Jaspers, o Buber, né? Levinasa, ou seja, ele participa deste grupo de personagens, né?

O Gerson Scholem, muitos dos quais se tornam amigos dele, entre os quais está Hannah Arendt. Então, Jonas se faz muito amigo da Hannah Arendt. Durante toda a vida foram muito amigos e, inclusive, o Jonas, depois de ter trabalhado no Canadá, na Palestina, ter sido um desterrado, vamos dizer assim, um judeu que tem que sair da Alemanha e fica sem pátria, sem língua, sem pátria, sem emprego, ele vai trabalhar, então, na New School for Social Research, onde a... A própria Hannah Arendt trabalhava, então outros personagens importantes da filosofia vão trabalhar em Nova York, em New Rochelle, próximo de Nova York.

Então Jonas participa de um grupo, vamos dizer assim, que dá a ele a oportunidade de desenvolver um pensamento num núcleo filosófico muito rico do século XX. A obra dele geralmente está dividida em três partes, até foi a mulher dele, a Laura Jonas, que sugeriu uma certa divisão temporal, inclusive, da obra. Ela fala que a obra do Jonas tem três tempos, o passado, o presente e o futuro.

E é uma boa divisão didática para a gente pensar esta obra. O passado é o primeiro Jonas, o Jonas que vai ser esse jovem Jonas participando dessas rodas heideggerianas, de guerrianas, de maneira especial. russelianas, mas de maneira especial Heidegger, que vai então se apropriar da metodologia da analítica existencial do Heidegger, do ser e tempo, para aplicar esta metodologia a um evento histórico ou a um movimento histórico, que seriam os movimentos gnósticos que estavam aí na origem do cristianismo primitivo.

O Jonas não foi o primeiro a fazer isso, o próprio Bultmann, esse teólogo muito famoso, um teólogo protestante muito famoso, já tinha feito a mesma coisa e desenvolvido, Caio, uma metodologia que ficou conhecida como desmitologização da Bíblia. Ela queria, a ideia é um pouco a seguinte, ver como é que os mitos bíblicos revelam uma espécie de princípio existencial por trás daquele... O mito seria uma objetificação de uma coisa que está amparada na própria experiência existencial, epocal, de uma época, de um povo, do povo de uma época. Então, Jonas teria, inclusive, sido quem sugeriu ao próprio Bultmann esta expressão de esmitologização, e ele, então, se apropria da mesma metodologia para analisar os movimentos gnósticos. Quem que são esses movimentos gnósticos?

São movimentos que vêm do Oriente, são movimentos, sei lá, da mitologia iraniana, babilônica, egípcia, que tinha sido encontrada pelo Ocidente a partir da expansão do Império Alexandrino. Então, quando Alexandre Magno expande o seu Império e chega no Oriente... ele leva, vamos dizer assim, uma espécie de herança do Ocidente, que é, vamos dizer assim, a racionalidade, o modo racional de entender a vida, ou entender a existência.

Quando ele chega no Oriente, esse método, esse modo de pensamento vai encontrar uma resistência muito grande, que não é só uma resistência que impede a expansão do Ocidente sobre o Oriente, mas é também uma espécie de mola propulsora que promove uma volta sobre o Ocidente, trazendo muito... tantos desses elementos que vão ser, então, assumidas pela filosofia ocidental. Então, o Jonas vai estudar mais ou menos 500, 600 anos de história que, do ponto de vista filosófico, tinham passado praticamente despercebidos. Então, esses movimentos nunca tinham sido estudados a fundo.

A gente tinha muitos estudos de história das religiões, talvez de literatura, literatura, literatura gnóstica, mas pouca coisa na filosofia sobre esse momento tão importante, no meu ponto de vista, enfim, o Jonas mostra isso para a compreensão da cultura ocidental. Então, o Jonas, ele vai, esses estudos vão do chamado tempo dos diáconos, que é mais ou menos o século terceiro antes de Cristo, os diáconos são os representantes de Alexandre, então quando Alexandre. passa, ele vai deixando os seus representantes. Então, deste período dos tais representantes, até o tempo dos maniqueus, que é mais ou menos o século III, IV, depois de Cristo. Então, é mais ou menos esse período.

A obra do Jonas, eu tenho aqui uma versão que foi publicada aqui. que foi publicado, tem uma versão italiana, mas é uma obra que foi publicada em duas partes, a primeira parte em 1934, portanto antes da Segunda Guerra Mundial, e a segunda parte foi só publicada em 1954, portanto depois da Segunda Guerra Mundial. Vejam, é uma obra grande, uma obra inclusive muito relevante, porque o Jonas se apropria de uma certa metodologia da chamada Escola das Religiões, o estudo das religiões na Alemanha, que tinha já demonstrado um certo interesse por esses textos gnósticos, dos evangelhos gnósticos, então, Evangelho da Pérola, por exemplo, textos maniqueus, etc., que vão, então, ser alvo do estudo do Jonas para construir o que ele chamou de princípio gnóstico. O princípio gnóstico seria, nós podemos, filosoficamente, a partir dessa metodologia do Heidegger, descobrir por...

traz dessa objetificação representada pela mitologia gnóstica, uma espécie de princípio que nos desse, nos possibilitasse de compreender então este momento histórico ou compreender esses movimentos a partir de uma espécie de espírito de uma época, ou de experiência epocal, de experiência existencial de um povo. E o Jonas então faz isto. O livro está dividido em duas partes.

A primeira parte é a mitologia agnóstica. Então ele faz um estudo das mitologias, de todos esses mitos. E a segunda parte é a filosofia mística.

Ou seja, a ideia é estudar como é que esses movimentos impactaram os primeiros filósofos cristãos. De maneira especial, Orígenes, Plotino, Justino. Os filósofos que abriram este momento que a gente chama de filosofia cristã medieval, ou de filosofia patrística. se a gente quisesse. E o Jonas vai mostrar que, num primeiro momento, os primeiros padres da igreja receberam com muito entusiasmo as ideias gnósticas e só depois a gente foi vendo que, eles foram vendo, que eram contraditórias essas ideias e depois elas foram consideradas, então, vamos dizer assim, heréticas.

O que é esse princípio gnóstico? Ele está baseado, então essa é a ideia do Jonas, ele está baseado numa diferença entre o mundo e Deus. Então, a primeira hipótese desse princípio gnóstico é que Deus é uma entidade anticósmica.

Anticósmica por quê? Porque o mundo não foi criado por Deus. Deus não criou o mundo.

Deus é um princípio bom, belo, o mundo da luz, o mundo da verdade. E ele se contrapõe ao mundo aqui de baixo, que é uma espécie de prisão na qual, então, o ser humano está preso. Vive aqui, então, na escuridão, na ignorância, na maldade, e ele caiu, então, ele pertence, o homem é tripartite, ele tem a alma, o espírito e o corpo, ele caiu do mundo da luz para esse mundo da escuridão, vive, então, numa completa escuridão, de tal forma que sozinho ele jamais pode escapar desta realidade, só escaparia se Deus, dependendo, então, da bondade divina, do dom de Deus que manda um mensageiro que quebraria os anéis de realidade que distinguem o mundo nosso do mundo de Deus.

E este mensageiro teria a missão de nos acordar. E acordar significa dar a nós consciência da nossa realidade, então dar a nós conhecimento deste mundo e, portanto, conhecimento da nossa própria situação existencial e conhecimento de Deus. Portanto, aí que entra a gnose. Gnose é o quê?

É uma palavra grega que significa precisamente conhecimento. Então, os movimentos gnósticos seriam orientados por uma espécie de empenho dos indivíduos que deveriam ser introduzidos nessas seitas para que eles pudessem se libertar do mundo. Então, Jonas vai dizer, Caio, que neste momento a relação do ser humano com o mundo é uma relação de hostilidade.

A marca da relação do homem com o mundo, então, é uma relação de hostilidade, porque o homem tem que lutar contra o mundo. Quem já leu Nietzsche, como você, sabe que o Nietzsche tem a famosa frase, o mundo é um xingamento cristão. Quer chamar alguma coisa de ruim, fala isso aí é do mundo. Isto é imundo, olha a palavrinha, imundo, imundice, aquilo que pertence ao mundo.

Essa tradição, que o Nietzsche, por exemplo, foi um dos filósofos mais críticos, ela remonta e o Jonas mostra bem isso, a este momento da história do Ocidente, que é o momento, então, em que o mundo precisa ser vencido, nós precisamos lutar contra o mundo. O Jonas, quando ele vai, ele diz, ele veste o óculos heideggeriano, portanto, da filosofia... existencialista, fenomenológico, ou seja, o último respiro da filosofia naquele momento, e ele veste esse óculos e vai a esses textos. Quando ele tira o óculos e vai olhar de novo para o mundo contemporâneo, o Jonas diz que se dá conta do seguinte, que aquele modo de pensamento, ele estava repercutindo na filosofia contemporânea, de tal forma que ele começa a ver que o próprio Heidegger continha...

resquícios ainda de gnosticismo e que muito da filosofia existencialista, portanto, a última, o último capítulo no século, imagina, estou aí no século XX, meados do século XX, 60, 70, então, nesse momento, o Jonas se dá conta de que muito desta filosofia carrega ainda uma marca gnóstica. Para o Jonas, então, o Pascal teria sido o último gnóstico e o primeiro existencialista. A famosa frase do Pascal, os silêncios desses espaços infinitos me apavoram, seria uma espécie de manifestação gnóstica, veja, de um Deus que não fala nada, um Deus abscóndito, um Deus escondido, que não fala nada, que, portanto, mora em outro lugar e que não nos socorre, não tem uma relação direta conosco e nós, diante desse silêncio de Deus, a gente fica horrorizado, com medo. E o medo passa a ser, a angústia, o medo, uma das características do homem existencial, ou existencialista, vamos dizer assim. Camus, por exemplo, com o estrangeiro, vai manifestar muito bem esse sentimento de que nós não somos daqui, nós somos de outro lugar, e estamos aqui de passagem e precisamos aqui lutar contra o mundo.

O Jonas vai dizer que o existencialismo, então, guarda essa mesma ideia e ele agrava, inclusive, isso, porque não é mais uma hostilidade que eu mantenho em relação ao mundo. A partir da era moderna, e o existencialismo captura isso de forma exemplar, o ser humano é marcado por uma relação de indiferença em relação ao mundo. Então a indiferença é mais grave porque agora eu não tenho mais que lutar contra o mundo, eu agora posso.

E aí entra o Heidegger, entra, por exemplo, a tese desse meu livro, que eu tentei discutir um pouco, que vem de Nietzsche, que é a ideia seguinte. Esta indiferença é a marca, por exemplo, da ciência moderna, que retirou do mundo qualquer ideia de finalidade, por exemplo, de teleologia, portanto, de valor, lembrando que Aristóteles tinha dito que uma coisa que tem fim é uma coisa que tem bem, que é um bem, e, portanto, teria um valor. A ciência moderna, a filosofia moderna, tirou isso da natureza. A natureza, o mundo...

foi destituído de qualquer finalidade, só o homem, lembra em Kant, é o reino dos fins, então a natureza não tem finalidade nenhuma. A gente com isso esvaziou a natureza de qualquer princípio ético, ela era eticamente neutra porque ela não tem valor, e abriu, portanto, a natureza, o mundo, para a grande exploração do mundo pela via da tecnologia. A exploração da tecnologia acontece...

como derivação desta indiferença. Então, o princípio da indiferença está na base desta exploração que leva ao desgaste, ao fim, ao desgaste dos recursos naturais, etc. Esgotamento dos recursos naturais. E a filosofia contemporânea teria recolhido isso nessa ideia da indiferença que o Heidegger vai interpretar a partir do princípio da vontade de poder de Nietzsche.

O Heidegger vai dizer... que a vontade de poder em Nietzsche é, de alguma forma, representação última deste princípio de exercício do poder que fez, aí o Jonas acrescenta, que fez do mundo uma mera ocasião de exercício desse poder. O homem agora sem Deus, a partir da ideia da morte de Deus, ele não tem mais nada a fazer no mundo, a não ser usufruir dessa indiferença para se entreter com o mundo. explorando este mundo e, com isso, tendo ocasião de dizer o quanto ele era poderoso. Então, a vontade de poder, no fim, se revelaria como uma vontade técnica.

A tecnologia seria uma manifestação daquilo que o Jonas chama de vontade de ilimitado poder. Esse limitado é um adjetivo que o Jonas acrescenta à vontade, uma vontade de ilimitado poder, que é, então... um poder sem limites, que vai ser chamado, portanto, de tecnologia.

Vejam então que este primeiro Jonas, o Jonas do passado, esse Jonas que reflete sobre o passado, ele curiosamente não fica no passado, ele faz uma ponte para a gente pesquisar um dos eventos mais importantes. compreender, um dos eventos mais importantes do mundo contemporâneo, que é precisamente a tecnologia. Bom, isso aí foi o passado, começou com o passado pelo menos. O Jonas, nos anos 60, depois da Segunda Guerra, ele publica uma obra que ficou muito conhecida e que ele vai dizer que a obra mais filosófica dele, que se chama, em português foi traduzido como o princípio vida, não está aqui o livro, mas enfim, como o princípio vida.

todo mundo lembra, foi publicado pela Vozes. O livro, em original, chama-se The Phenomenon of Life, o fenômeno da vida. Veja, é um livro de fenomenologia da vida, o próprio Renan Barbarra, que é um dos grandes, hoje, pensadores da fenomenologia da vida, da França, reconhece, no seu livro de introdução à fenomenologia da vida, que o Jonas é o capítulo mais importante, mais rico, inclusive o livro do Barbarra.

tem muitas, tem páginas e páginas de referência, mesmo que seja de discordância, mas de referência ao Jonas. Então o Jonas escreve a partir da guerra, veja, no campo de concentração, desculpa, no campo de luta da guerra, ele escreve umas cartas para a mulher dele, pedindo que a mulher mande livros sobre a vida. Então ele lê Darwin, ele lê Huxley.

Ele lê vários autores de biologia e escreve para a mulher dele cartas, que foram conhecidas como cartas pedagógicas ou cartas formativas. Essas cartas deram origem a esse livro, que foi publicado em 1966 em inglês, chamado The Phenomenon of Life, o ensaio de uma biologia filosófica. Ele pretende, então, não uma filosofia da biologia, ou seja, não é uma filosofia da ciência biológica, mas é precisamente uma biologia filosófica, ou seja, uma interpretação filosófica do fenômeno da vida.

Esta vida que lá no campo de luta, no fronte da guerra, ele se dá conta que é muito frágil, é uma vida muito frágil, e, portanto, ele vai escrever isso. Esse livro foi traduzido depois para alemão como Organismus und Freiheit, O organismo e Liberdade, tem uma versão também inglesa com esse título, Organisms and Freedom, e depois, quando houve o sucesso do princípio responsabilidade, esse livro, por uma iniciativa editorial, foi rebatizado, né, de O Princípio Vida, das princípios Leben, e depois foi traduzido para português a partir, então, desta versão alemã, que não, então, da versão original em inglês. cujo título é muito mais interessante. Não é um princípio vida, no sentido de um princípio responsabilidade, mas é uma discussão sobre o fenômeno da vida, sobre a vida como um fenômeno. Ou seja, a vida é analisada a partir dos instrumentos fornecidos pela fenomenologia.

E o Jonas, então, analisa neste livro os limites da ciência, da ciência da biologia, que foi... incapaz, segundo ele, de resolver até hoje o que é a vida. E para ser bem rápido aqui, a questão toda é a seguinte, se a gente fosse pesquisar a vida ao longo da história, a gente veria que ela poderia ser explicada no momento que o Jonas chama de panvitalista, o momento em que tudo era vivo.

Então o Jonas vai dizer neste momento, que por exemplo vai até o século XVII, então toda a história do Ocidente até o século XVII seria marcada pelo panvitalismo. Um momento em que a vida é um pouco a regra de explicação de tudo. Tudo é explicado a partir da vida. E aí a morte aparece como o grande problema.

O maior e aquele que mereceu, de fato, ter sido chamado de o problema. O problema filosófico, por excelência, foi o problema da morte. Porque justamente se tudo está vivo, por que morremos?

Esta foi a pergunta. até o século XVII. Com o século XVII em diante, nós temos uma mudança de Isionas para um processo que a gente chamaria de panmecanicista. Esse momento panmecanicista inverte a lógica, porque agora já não é mais a vida que é a regra, mas precisamente a morte. A vida passa a ser vista como a exceção no reino do morto.

A gente, com o século XVII, principalmente com Galileu, começa a olhar para cima. E quanto mais a gente olha, imagina hoje nós, olhamos muito, já mapeamos muito, e até onde a gente viu, pelo menos antes das notícias sobre essa possibilidade de vida em Vênus, que saiu esses últimos dias, até onde a gente viu, a gente só viu pedra morta. Então, tudo que nós vimos em termos das regras de organização do universo e mesmo das regras de organização do mundo que nos cerca, a regra disso aqui é a morte. Então, Jonas vai dizer que a morte passou a ser o modo como nós compreendemos a própria vida.

Por isso que a vida foi entendida a partir do mecanicismo. A gente vai ver, por exemplo, Descartes e vários outros falando que o ser vivo é uma espécie de engrenagem, que nós somos um relógio. ou seja, a lógica de organização, é então o morto.

O morto passou a ser a única coisa conhecível. E a vida, então, passou a ser uma grande desconhecida do âmbito da ciência, porque a ciência embarcou muito nessa ideia mecanicista, portanto, de que a vida segue leis, as leis seriam matemáticas, mecânicas, e escapou desta gente aquilo que seria um princípio... vamos dizer assim, importante, que diferenciou o vivo do não vivo, que era precisamente aquilo que nós podíamos chamar de atividade espiritual ou de atividade de interioridade.

A interioridade da vida passou a não ser mais conhecida pelos movimentos ou pela ciência, digamos, a partir do século XVII. Esta interioridade é compreendida por Jonas como uma espécie de complemento mas, vamos dizer assim, simultâneo da própria atividade física, química que marca a vida. Em outras palavras, quando eu olho uma pedra e olho um organismo vivo, existe nas duas coisas uma diferença.

A diferença não está naquilo que é a parte química, física, necessariamente. A diferença está na capacidade que a parte que o organismo vivo tem de manter conexões com o meio. Portanto, a primeira hipótese da interioridade da vida seria o metabolismo, a capacidade que o indivíduo vivo, que todo organismo vivo tem, de trocar, seja ar, seja nutrientes, de realizar trocas de matéria com o meio. Uma coisa que nenhuma forma não orgânica consegue, só as formas orgânicas conseguem.

E para isso, nós precisaríamos de uma filosofia que incluísse, uma leitura da atividade químico-física, mas também dessa atividade espiritual. Nós precisaríamos, então, de um novo tipo de monismo, que escapasse daquele monismo materialista e também do monismo intelectual, vamos dizer assim, idealista, e propusesse um monismo que explicasse a dualidade sem dualismos. Isso é uma coisa interessante, uma coisa que a vida tenha dualidade, ou seja, que nós tenhamos uma parte nossa que seja o corpo.

Outra parte nossa, que seja essa atividade, que o Jonas escreve em inglês, ele escreve mind, não é necessariamente mente, mas essa atividade interior, que no nosso caso é a subjetividade, essa atividade, então, também a gente teria que compreender no âmbito da vida como um todo. E a questão é muito simples, sabe, Caio? Para quem nunca leu o Jonas, é bem simples. Veja, se a gente se perguntasse de onde veio o corpo, que nós trouxemos neste momento aqui para este encontro.

A gente poderia dizer que, do ponto de vista científico, a tese mais aceita é de que este corpo que nós trouxemos hoje para cá, ele evoluiu. Então, o Iona se apropria das teses darwinistas, da teoria evolutiva, para dizer o corpo evoluiu. Bom, e se a gente se perguntasse, de onde veio o espírito que nós trouxemos para este evento?

Vocês já viram como é difícil explicar isso do ponto de vista científico? A gente poderia explicar muito bem do ponto de vista religioso, dizendo, por exemplo, professor, não viu? Lá na Bíblia, Deus soprou. Deus criou, portanto, primeiro a matéria, primeiro o barro, e depois, como epifenômeno, veja, teria surgido o Espírito.

Deus soprou sobre nós. Mas se a gente riscasse essa explicação, vocês já viram como a gente fica sem capacidade de explicação? Então, Jonas vai dizer que foi o próprio Darwin que, curiosamente, trouxe aquilo que ele chamou de consequências filosóficas do darwinismo, trouxe a ideia de que a gente teria que reconhecer que também o espírito evoluiu.

Então, dizer de onde vem o espírito que nós trouxemos para esse evento, a gente teria que dizer ele também evoluiu. Evoluiu quando? Não é que depois que surgiu o nosso corpo, veio o espírito, veio essa atividade interior. tempo, quando a vida entrou na existência, quando ela se fez, a primeira vez que um tipo de ser se diferenciou da matéria morta, este ser já entrou, portanto, na vida com algum tipo de atividade espiritual, que vai se desenvolvendo ao longo da história evolutiva em degraus, em graus diferentes de atividade espiritual, que vão do metabolismo, que o Jonas chama de liberdade, é atos de escolha, de liberdade, então o que vai do metabolismo passa pela sensação própria, portanto, das plantas, depois passa para a percepção, para as emoções, estamos aqui no reino dos animais, para a mobilidade, com o sentimento nasce a possibilidade que os animais têm, por exemplo, de se moverem, porque os sentimentos, os dois sentimentos originais seriam o medo e o desejo, Então, o medo é uma coisa que o animal tem.

tem que fugir de um predador, então isso faz com que ele desenvolva a capacidade locomotiva, ou, por exemplo, o desejo, que faz com que ele busque uma parceria sexual ou alimentos, faz com que ele saia do seu lugar, diferente da planta, e ao mesmo tempo chega, então, num grau mais elevado, que é o grau da racionalidade humana. Então, com isso, o Jonas faz o que o Darwin também fez, que é recolocar a racionalidade humana, portanto, a capacidade humana de pensar, de pensamento, no âmbito de toda a história de desenvolvimento do ser. Então, nossa racionalidade não surgiu do nada, ela é parte dessa história evolutiva.

Isso tudo também, então, nos leva para uma outra consequência, que é uma relação diferente do ser humano com o reino do vivo, ou com a comunidade da vida, com os animais, com as plantas. E o Jonas vai se dar conta, então, de duas coisas. Primeiro, que nessa história evolutiva, o ser humano desenvolveu uma coisa, que foi uma espécie de instrumento que o possibilitou a ele, que possibilitou a ele, então, a se manter na existência, que é a capacidade técnica.

A capacidade técnica é a capacidade de usar instrumentos. Ora, usar instrumentos é uma coisa interessante para a vida humana, mas o Jonas vai dizer que não é uma prerrogativa do ser humano, porque tem muitos animais que usam também instrumentos. Isso é um passo na história evolutiva da liberdade, da interioridade, mas veja, tem muitos animais que usam, então nós também estamos partilhando isso com os animais. Agora, então esse é o homo faber.

O homo faber é o primeiro ato de diferenciação, mas que ainda não é completo. O ato completo de diferenciação, portanto de saída do ser humano do reino do animal, é o homo pictor. Ou seja, o fato de que o ser humano tenha ido para o fundo de uma caverna comer a carne de uma caça que ele acabou de fazer e desenhou no fundo da caverna um mamute, fez com que o ser humano se distinguisse definitivamente dos animais. Só o ser humano, portanto, tem capacidade simbólica.

Só ele consegue desenhar aquele mamute no fundo de uma caverna. e representar com isso o mamute que ele está comendo, dizer que isso aqui é o mamute que eu estou comendo, e mais ainda representar como foi aquela cena da caçada, e mais ainda representar que aquele desenho não só simboliza aquele mamute que eu matei, mas todos os mamutes do mundo. Veja que a capacidade de desenhar, portanto de imaginar a imagem, passa a ter um papel fundamental.

De tal forma que o Jonas vai ser um dos primeiros filósofos da imagem, participa inclusive de um grande movimento da Alemanha que a gente podia chamar de ciência da imagem, de como, de alguma forma, inclusive a antropologia vai se basear nessa ideia da imagem. E termina, então, no Homo sapiens, que seria o resultado disso. O Homo sapiens teria nascido, inclusive, para o Jonas na beira do túmulo, porque foi quando nós fomos enterrar os nossos mortos. e voltamos aos lugares de culto desses mortos para lembrar da sua vida e lembrar que eles ainda talvez vivessem em outra realidade.

O Jonas, então, diz que aqui tem uma diferença, porque veja, o mamute que eu desenhei representa alguma coisa que eu vi no mundo, mas quando eu celebro, cultuo uma vida pós-morte, eu não vi isso, eu não sei nada disso. Então, isso é um passo importantíssimo na história de evolução espiritual. De tal forma que o Jonas tem a famosa frase, a metafísica nasceu na beira do túmulo.

Então, isso tudo faz com que a gente entenda que a técnica passa a ter um papel importante. Primeiro, porque o homem usa ferramentas, o homofabe. Mas depois, porque o ser humano, antes de fazer os instrumentos técnicos, ele imagina.

Então, a imaginação desses instrumentos, imagina toda a tecnologia de hoje, ela foi primeiro pensada pelo ser humano como uma imagem e depois colocada no mundo. E isso deu na era tecnológica, então isso leva o Jonas a pensar tanto a fragilidade da vida quanto o problema então da tecnologia. E aí, lembrem, o Jonas está nos Estados Unidos, o país que tem mais avanço tecnológico no século XX, e o Jonas se mostra muito preocupado já no sábado de 70 com a questão ambiental, portanto com o avanço dessa tecnologia e o quanto ela impactaria o meio ambiente.

Então, a partir desta reflexão do avanço da tecnologia... O Jonas se preocupa. com o meio ambiente e mais com a vida em geral, que já tinha sido tematizada por ele a partir dos anos 60. Então, em 79, ele publica Das Prinzipien der Antworten, o princípio responsabilidade, que é um livro que definitivamente traz o nome do Jonas para o ambiente acadêmico, filosófico, e a partir de uma preocupação com este avanço da tecnologia e com o uso, então, da racionalidade para...

produção da morte, para a produção da destruição em massa e de colocar, então, o futuro em cheque. Então, veja, se a gnose foi o passado, a fenomenologia da vida teria sido presente, a compreensão do que é a vida, agora nós estamos no âmbito do futuro. A filosofia da responsabilidade, a ética da responsabilidade é uma tentativa de pensar as consequências dos atos para o futuro, porque a responsabilidade ela tem duas questões. A primeira, Caio, é a seguinte, ela é uma característica do ser humano. Quase a gente poderia dizer o seguinte, se Aristóteles disse que todo homem tende a conhecimento, o Jonas teria dito que todo homem tende a responsabilidade.

Por quê? Porque para o Jonas, a responsabilidade é parte da história evolutiva do espírito e ela alcança, no caso humano, então um poder imenso. Só o ser humano desenvolveu essa capacidade.

de se responsabilizar pelos demais seres vivos e por tudo que existe ao seu redor. A gente poderia dizer que outros animais cuidam da prole, por exemplo, mas eles não são capazes de se responsabilizar pela vida em geral. Só o ser humano pode se responsabilizar, portanto. Então isso é uma marca ontológica.

Veja que a ética do Jonas tem uma base ontológica. É uma base ontológica porque o ser humano carrega ontologicamente falando esta característica de poder se responsabilizar. Ora, se ele pode se responsabilizar, então ele deve, diz Jonas.

Por quê? Porque responsabilizar-se é realizar-se plenamente como indivíduo humano. Então, todo mundo que quiser dizer eu sou verdadeiramente um ser humano, deveria responsabilizar-se, deveria agir com responsabilidade, porque isso é uma coisa que só ele pode, entendeu? Quer dizer, se só eu posso fazer isso, eu sou obrigado a fazer, como parte da... da minha própria história de desenvolvimento, digamos assim, da minha condição existencial.

Então eu digo, essa é a primeira marca, e a segunda é que o Jonas não entende a responsabilidade mais, como fizeram outros filósofos, unicamente a partir da ideia de imputabilidade. Não é mais assim, eu faço uma coisa e agora eu tenho que identificar a autoria deste ato, para eu... criminalizar, culpar ou responsabilizar esta pessoa.

Então, aqui nós estamos falando ainda de uma responsabilidade pós-facto, ou seja, eu faço alguma coisa e me responsabilizo por aquilo. Não é que isso não vale mais, isso é importante, mas Jonas diz hoje, dado o tamanho do nosso poder tecnológico, nós temos que pensar a responsabilidade antes do fato. Então, nós estamos num âmbito não da imputabilidade, mas precisamente do que?

da... da previsibilidade. Nós estamos no âmbito do que é previsível, da previsibilidade.

O que é a previsibilidade? A capacidade que eu tenho de prever as consequências dos meus atos, de tal forma que eu imagine, da melhor forma possível, o que vai acontecer caso eu faça aquilo que eu estou fazendo. Isso leva o Jonas, então, a pensar a técnica...

no âmbito, inclusive, da medicina. Tem aqui, por exemplo, um livro que ele lança em 1985, chama-se Técnica, Medicina e Ética, sobre a prática do princípio de responsabilidade, em que o Jonas, então, vai para o âmbito da medicina para ver, por exemplo, quais são as alterações que a medicina está propondo, que a biotecnologia está propondo, que vão comprometer o futuro, transgenia. a manipulação genética, edição genética, engenharias da vida, tudo isso que nós estamos assistindo hoje, o Jonas, veja, lá nos anos 60, 70 e 80, já está muito envolvido. Ele, portanto, está no âmbito, inclusive, de criação da chamada bioética, pensando esta responsabilidade da tecnologia diante da vida, que foi, então, a experiência que ele já tinha tido lá nos campos de concentração.

no momento, então, que não tinha nenhuma regra para o uso dessas tecnologias. E, então, o Jonas, no contexto norte-americano... participa como membro fundador do Resting Center, que é um centro de bioética muito conhecido nos Estados Unidos, tem uma militância, inclusive, participa de várias audiências, com o senador Kennedy, por exemplo, Robert Kennedy, nos Estados Unidos, no momento em que não havia regras de criação, regras de orientação para a atividade médica, em que, inclusive, Harvard tinha decidido, por exemplo, que a morte já não era mais a morte quando parava o coração, mas a ideia de morte cerebral, abrindo possibilidade para o transplante de órgãos, num momento em que não tinha nenhuma legislação que orientasse e que impedisse, por exemplo, o tráfico de órgãos. Então, o Jonas está muito preocupado com isso, o que explica por que, por exemplo, o Jonas tem uma posição bastante conservadora, muitas vezes, em relação a isso, porque ele tem muito medo de que isso vá dar realmente num comércio de órgãos. Então, veja, nós estamos aqui diante de um filósofo que vai se envolver muito com essas questões que são absolutamente contemporâneas.

Questão ambiental, questão da biotecnologia, melhoramento genético, questões ligadas, por exemplo, hoje a toda esta linha que nós chamamos de pós-humanismo ou de trans-humanismo, embora o Jonas não tenha usado as expressões, o trans-humanismo que foi também... alvo do meu interesse aqui nesse livro Negação e Poder, porque justamente me leva a pensar as questões hoje de ponta da biotecnologia. Bom, falei bastante, não deixei você fazer perguntas, mas então estou aqui aberto para isso agora, viu Caio?

Muito obrigado, Gelson. Foi uma aula sobre o Rasionas. Acho que o pessoal que encontrar esse vídeo, que assistir, também vai gostar. E tem muitos elementos aqui da obra toda dele. A única pergunta que eu faria, que é uma questão que eu acho interessante dentre as várias questões, tem uma no princípio da responsabilidade, você falou do dever ético.

Queria te perguntar como que é a reformulação desse princípio moral que tem matriz no Kant, que ele até cita, mas ele reformula, até onde eu sei, queria te perguntar sobre isso. Porque no Kant ainda está fundada na subjetividade abstrata e ele tenta transformar isso em algo coletivo e numa relação com o ambiente também. Isso mesmo. Bom, obrigado pela pergunta.

Essa é uma questão bem importante. O Jonas é um grande crítico da ética kantiana, primeiro. Ele acha que as éticas até então não dão conta do problema ambiental, do problema tecnológico, porque, por exemplo...

elas estavam sempre ligadas ao presente, então se a gente pegar a ética do Kant, por exemplo, ou mesmo lemas éticos do passado, amo teu próximo como a ti mesmo, não faça a ninguém aquilo que você não gostaria que ninguém fizesse, ou a máxima kantiana do imperativo categórico, tudo isso sempre se refere, primeiro, ao tempo presente, então este é alguém que eu tenho que amar, que eu tenho que respeitar, é alguém que está aqui comigo agora. E também ao âmbito que ele chama intra-humano. Então, não incluía neste próximo, por exemplo, amar o próximo como a ti mesmo, que é o lema do cristianismo.

Não está incluído neste próximo, por exemplo, os animais, no geral. No geral, este próximo é outro ser humano. Então, o Jonas está dizendo que aqui nós temos dois desafios éticos que a ética tradicional não deu conta e que, então, precisamos reformular esta nova ética. A nova ética teria essas duas questões como chave.

Primeiro Incluir o âmbito extra-humano. A natureza não é mais eticamente neutra, ela precisa agora do cuidado humano, porque a força destrutiva do ser humano cresceu muito. Então, a questão, por isso que, Caio, a questão da ética do Jonas, ela leva a gente para uma metafísica, porque a gente voltou a ter que se perguntar sobre o seguinte, por que o ser e não antes o nada?

A velha pergunta leibniziana... que estaria na base da pergunta metafísica, por que o ser e não antes o nada? Ou seja, se nós podemos destruir o ser, por que não destruímos?

Se a gente pode fazer uma bomba atômica, já fizemos, e já jogamos sobre cidades do mundo. Se a gente pode fazer isso, por que a gente não faz? O que nos impede? Qual é a justificativa que impediria o nosso ato?

Então, essa é a preocupação do Jonas. E a questão toda, então, seria a seguinte. nós precisaríamos construir um argumento... capaz de nos levar de novo à pergunta sobre o ser. Agora, formulada, a partir da base da técnica, do poder da técnica.

Se nós podemos destruir, por que não destruímos? Então, a primeira é, nós podemos destruir, então temos que cuidar. Então, é a questão de incluir nesta nova ética o âmbito extra-humano. E, segundo, nós temos que ampliar temporalmente também a ética, porque o braço da técnica foi ampliado para o futuro.

Nós não sabemos até onde, por exemplo, gerações do futuro vão ser impactadas pelas ações que nós fazemos hoje, seja do ponto de vista da poluição ambiental, da destruição, sei lá, por exemplo, do Pantanal agora, o quanto do futuro... Nós estamos hipotecando o futuro, porque a gente quer plantar soja no Pantanal para ganhar dinheiro agora. Só que com isso nós hipotecamos a vida do futuro, até onde a gente não sabe. Os impactos disso no futuro podem ser imensos.

Olha aí o problema do aquecimento global. Se a gente pensar no âmbito da medicina, quanto do futuro vai ser impactado pelas mudanças da biotecnologia? Então nós precisamos incluir as gerações do futuro no âmbito ético. Isso é uma novidade, porque veja, a ética sempre se deu... e o direito também, pela via da reciprocidade, né?

Não faça você o que eu não quero que você me faça. Agora, por que eu tenho que mudar a minha atitude agora em função de gente do futuro? Não é nem meu filho, nem meu neto, é gerações do futuro, sei lá, a gente está aqui 500 anos, com os quais eu não tenho nenhuma relação afetiva, essa gente nem existe, nem sei se vai existir, e nem sei se quando existir vai querer o mesmo que eu.

Então, veja, por que diabos eu tenho que alterar as minhas ações agora? Não queimar a Amazônia, não destruir o Pantanal, não jogar lixo no rio, etc. Por que fazer isso diante desta possibilidade das gerações do futuro? Veja, isso é um problema do ponto de vista ético.

Como justificar? Então, Jonas constrói um novo chamado imperativo categórico que desse conta disso. Um imperativo, primeiro, baseado num sentimento.

Então, ele diz o sentimento de responsabilidade. O Jonas não acredita que isso é só uma norma, um dever, assim como talvez o Kant tenha explicitado. Ele acha que é um sentimento que precisa ser despertado em nós pela via afetiva. E ele traduz isso em várias formulações, mas a principal delas é haja de tal forma que as suas ações não comprometam a realização, por exemplo, a vida das gerações do futuro. Ou mais ainda, outra formulação é, haja de tal forma que seja garantida a existência de uma autêntica vida humana no futuro.

Então, não faça nada, veja que se o imperativo categórico do Kant era, não faça nada que você não gostaria que virasse lei universal, ou só faça aquilo que você gostaria que virasse lei, ou seja, que todos fizessem, o Jonas vai dizer que é a mesma coisa agora, só que com este olhar para o futuro e para o reino extra-humano, ou seja, Só faça aquilo que você gostaria, ou que você tem certeza, desculpa, que não vai comprometer a vida das gerações do futuro, e sequer vai comprometer uma autêntica vida humana no futuro. Então, por que eu deveria ter o maior cuidado com a tecnologia? Porque ela pode, por exemplo, me tirar a liberdade.

A gente vê esses filmes de distopias do futuro, a gente vai ver que o ser humano lá parece que já não escolhe mais quem quer ser. Parece que essa escolha é feita por um cientista qualquer, por uma empresa que nos fabrica, ou por um remédio que nos dão, por uma injeção, por um eletrodo que botam na nossa cabeça, um chip que enfiam no nosso cérebro. Ou seja, a gente podia dizer, parece que uma das condições básicas do ser humano, que é a liberdade, que é derivada da nossa incompletude, eu sempre costumo dizer, Caio, que só tem liberdade onde tem incompletude.

Porque a liberdade é ato de escolha, e a gente só escolhe quando a gente não tem, quando a gente é incompleto. Quem está perfeito, feliz, completamente feliz, perfeito e realizado, não precisa escolher mais nada. Esse é o mundo do reino de Deus, em que não tem liberdade, do ponto de vista da escolha. A escolha é fruto da nossa incompletude. Então, a busca pelo aperfeiçoamento, pela perfeição, como diz o famoso livro do Michael Sandel, que se chama Against Perfection, contra a perfeição.

porque a perfeição anula aquilo que nós temos de mais próprio. Então, isso é que nós não podemos fazer. Esse é o grande medo do Jonas.

E, para terminar, isso não faz do Jonas um tecnofóbico. Nós temos no Brasil o famoso texto do Lebrun, que colocou o Jonas entre os tecnofóbicos. O Lebrun está errado, acertou em muita coisa, errou nisso, porque leu mal e sequer talvez tenha lido com cuidado o Jonas.

Ele leu, na verdade, um texto do Bernard Seve, que é um crítico do Jonas. e se apropriou disso para dizer que o Jonas é um tecnofóbico, que a gente deveria então quebrar as máquinas. O Jonas não está dizendo isso.

O Jonas não está contra as máquinas, contra a tecnologia. Ele está contra a reivindicação de liberdade absoluta da tecnologia que diz o seguinte, eu posso fazer tudo e não tenho que ter compromisso ético nenhum. Essa é a questão central da proposta filosófica do Jonas. Muito bom, Gelson. Gostei muito da conversa.

Fica aí no arquivo digital para as pessoas pesquisarem. Eu acho que vai ser muito produtivo que se possa encontrar esse vídeo. São temas muito relevantes.

E deixo aberto para você fazer as últimas considerações para a gente encerrar essa conversa. Bom, eu queria agradecer muito, Caio, pedir desculpas pelo meu entusiasmo. Eu acho esses temas fundamentais na nossa vida, do pensamento filosófico, me sinto muito instigado com o Jonas e com essas coisas todas.

Queria transmitir esse mesmo entusiasmo a todos que nos ouvem aí, nos assistem, porque eu acho que a gente precisa desse tipo de pensamento. Não significa dizer que o Jonas é melhor que outro filósofo, não. E nem dizer que ele é perfeito também, não, como todo grande filósofo. As deixas estão todas aí para serem preenchidas, para serem criticadas, certamente tem muita falha no pensamento dele, mas é muito instigante e eu acho que nós temos sim, filosoficamente, uma missão nesse momento, sabe?

Uma espécie de tarefa que o Jonas mesmo chamou de a primeira tarefa cósmica da filosofia. A primeira tarefa cósmica é que a filosofia agora precisa botar o pé, os dois pés, as mãos, o corpo inteiro, nessa reflexão, porque nós estamos diante do maior problema ético, sem dúvida, da história humana, e o futuro nós vamos ser lembrados por essa reflexão e o que a gente vai fazer diante desse problema, o problema ambiental, e eu acho que o Jonas nos ajuda a pensar, a ter mais sensibilidade, então eu agradeço muito a oportunidade de poder falar dele e de poder passar um pouco desse meu entusiasmo também para as pessoas que nos ouvem, para que elas também... se interessem e se empenhem cada um do seu jeito, com o que puder fazer para que o meio ambiente seja preservado e a tecnologia faça aquilo que eu tenho chamado de uma espécie de ethical turn, que ela faça uma virada ética para que inclua cada vez mais os dilemas éticos no seu fazer tecnológico, nos laboratórios, enfim, tudo aquilo que a gente tem de tecnologia. Quem quiser me procurar por aí, eu estou nas redes sociais, no Facebook, no Instagram.

E também a gente faz alguns vídeos por aí para fazer isso aí que eu tenho dito, é mobilizar as pessoas para o pensamento. Como diz Heidegger, não basta poder pensar, é preciso escolher o pensamento, então que a gente possa fazer essa escolha toda hora. Muito bom, fantástica a sua intervenção, Gelson, muito obrigado pela conversa, pela disposição também.

Achei muito interessante, realmente. E vamos aguardar. Também tem o dossiê para sair, né? Sobre Rasionas, na revista Aurora, da PUC Paraná.

E um outro na revista Pensando, né? No Piauí. Isso.

Vamos aguardar. E também agradeço a todo mundo que assistiu a gente aqui nesse vídeo. Deixem os comentários aí embaixo, para a gente depois continuar a conversa, né?

E fiquem ligados nas próximas conversações filosóficas. Música