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História da Invenção e Colonização do Brasil

O Brasil não existiu, o Brasil é uma invenção. E a invenção do Brasil, ela nasce exatamente da invasão, inicialmente feita pelos portugueses, depois continuada. continuada pelos holandeses e depois continuada pelos franceses, num moto sem parar, onde as invasões nunca tiveram fim. Nós estamos sendo invadidos agora. Tinha gente aqui com história, alguns desses povos com história de dois mil anos. Os Guarani hoje se atesta que tinham quatro mil anos, digamos assim, de... Compreensão de si como povos e que se relacionava com os povos andinos e que reivindicavam diante dos andinos uma territorialidade e um respeito pelos povos andinos. Esse território, que é uma parábola dessa parte que vem lá, do que seria o Pantanal, passando por parte do que é Mato Grosso, o Noroeste Paulista, atravessando o Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul. do sul, pegando uma parábola desses territórios que formam uma cosmogonia onde os Guaranis circulam caminhando em busca dessa tal de terra sem males. Uma cosmovisão Guarani que busca um lugar que é um espelho da terra, mas que não tem todos os defeitos daqui da terra. Um lugar melhor do que a terra, que é a terra sem males. Hoje, a gente, por exemplo, vai olhar em áreas que são de terra firme, quer dizer, longe dos grandes rios, e você encontra também um monte de evidências de populações lá ocupando. Quer dizer, qualquer lugar na Amazônia que você cave um buraco... Você encontra evidências de populações indígenas do passado. Ao longo do Rio Amazonas existiram sociedades complexas, sociedades que eram estratificadas, tinham exércitos, tinha camada de sacerdotes, etc. Mas o que se pôde... O que eu posso dizer é que essa população não era de uma maneira homogênea, ela era bastante diferenciada. Você tinha gente com, digamos assim, com elaboração de processos construtivos de uma identidade, de uma cultura, de 2 mil anos, de 3 mil anos. Mas você tinha povos também que circulavam e que podiam ter vindo dos Andes nos últimos 200, 300 anos. Eles iam fazer uma adaptação ecológica. a nova paisagem que eles iam encontrar, que era do cerrado, da Mata Atlântica. Essa formação que a Mata Atlântica apresentou, quando os europeus chegaram aqui, que os viajantes, os naturalistas piraram com essa Mata Atlântica, essa Mata Atlântica era o produto, o resultado de alguns milhares de anos de interação com os seres humanos que fizeram esse jardim. É um sistema em rede, é um sistema bastante... movimentado. E seria uma espécie de mundo, sim, um mundo que poderia parecer assim com o mundo europeu sem a sua Roma. No sentido que você não tinha uma capital, um lugar que centralizava, em que todas as estradas vão dar em Roma. Elas estavam conectadas, o que a gente encontra de estradas, o que a gente encontra hoje de geoglifos, o que a gente conta de canais, o que a gente encontra... estava ocupando esse espaço, esse pessoal estava circulando, esse pessoal estava em contato. Eles se relacionavam com os Quechua, com os Aymara, com os povos andinos, com o império do Taiwan de Suyu, que tinha toda essa espinha que é os Andes. Quando os brancos chegaram, eles foram admitidos como mais um na diferença. E se os brancos tivessem educação, eles podiam ter continuado vivendo aqui no meio daqueles povos e produzido outro tipo de experiência. Mas eles chegaram aqui com a má intenção de assaltar essa terra e escravizar o povo que vivia aqui. E foi o que deu errado. Então, eu digo isso, qualquer uma pessoa que estiver me ouvindo falar, e se você se sente parte dessa continuidade colonialista que chegou aqui, você é um ladrão. O seu avô foi, o seu bisavô foi. Música Viva o Português! Quando Humberto Mauro filmou a descoberta do Brasil, aquilo lá era o que os brancos filhos dos portugueses pensam que foi a descoberta do Brasil. O mito de origem do Brasil é aquela descoberta. com as caravelas, aquela missa em Monte Pascual. É um mito de origem, gente. Nós somos adultos, a gente não precisa ficar embalado com essa história. A gente pode buscar entender a nossa história com a... as diferentes, digamos, matizes que ela tem, e ser capaz de entender que não teve um evento fundador do Brasil. Quando os europeus chegaram aqui, eles podiam ter todos morridos de inanição, escorbuto, ou qualquer outra pereba nesse litoral, se essa gente não tivesse acolhido eles, ensinado eles a andar aqui e dado comida para eles, porque os caras não sabiam nem pegar um caju. Eles não sabiam, aliás, que caju era uma comida. E eles chegaram aqui faméricos, doentes, e o Darcy Ribeiro diz que eles fediam. Quer dizer, baixou uma turma na nossa praia que estava simplesmente podre. A gente podia ter matado eles afogado. Durante muito mais do que 100 anos, o que os índios fizeram foi socorrer brancos flagelados chegando na nossa praia. Quer dizer, querer configurar isso como uma conquista nos termos de uma guerra de conquista, do que aconteceu no México, no Peru... em algumas outras regiões, seria ignorar a extensão dessa costa atlântica. Para ocupar, para chegar ao mesmo tempo em todas essas bacias que desembocam no Atlântico, você não tinha que ter uma canoa com 37 portugueses, você tinha que ter 300 canoas com pelo menos uns 3 mil e tantos portugueses para chegar na nossa praia. Você tinha que fazer um desembarque aqui, não teve um desembarque. Os primeiros registros dos contatos, há um desejo de estabelecer trocas, há um desejo de encontrar mercadorias, metal, ouro, logo isso não se realiza, então, ah, é o pau-brasil, são papagaios, são macacos. Mas não só. Já os portugueses também capturam escravos. Então, são trocas, mas já são trocas também, eu acho, desde o início, marcadas por uma tensão de uma sociedade que é a sociedade portuguesa, de comerciantes que estão nesses navios da monarquia portuguesa, que estão mais interessadas já na conquista, na dominação, de impor o seu ponto de vista. Levi-Strauss mostrou isso muito bem no... Nos estudos dele, essa grande diferença de mentalidade entre os europeus e os povos americanos, os indígenas americanos, ao contrário dos europeus, os indígenas muito abertos à alteridade, à incorporação. o outro, a diversidade, como parte sempre integrante da sua visão de mundo. Enquanto os europeus, não, eles não veem o outro, eles sempre, quando veem algo... Eles projetam sobre o outro o que ou que eles querem ou que eles não querem. No caso, por exemplo, o demônio, o pagão, o infiel. Enquanto os índios estavam querendo saber que tipo de corpo esse pessoal que chegou tem, se eles são mortais, se eles apodrecem, se eles morrem, se eles cagam fedido, os espanhóis estavam discutindo, os espanhóis, os portugueses, estavam discutindo se esses caras tinham alma ou não, se podiam ou não ser. ser escravizados. Nos enganaram de muitas formas, com agrados, com afagos, com presentes. Então, foi um roubo e foi também essa questão do roubo da própria consciência, porque acho que a gente quando percebeu que não era, talvez metade das coisas já tinham ido. Portugal resolve ocupar o território. É claro que de uma maneira muito tênue, mas compartilhando com particulares, estabelece a doação de vastos territórios no Brasil, ao longo do litoral, e promove, portanto, a ocupação desse território. A ocupação significa a fixação de portugueses, a fixação de colonizadores, terem vista em... Implantação de um sistema produtivo. Produzir exige trabalhadores. Esses trabalhadores serão escravos. Se trata de implantar um sistema de produção do açúcar. Capitania de Pernambuco, São Vicente, que inicialmente tem algum sucesso. já escravizaram indígenas. Quem vai trabalhar são escravos que vão ser capturados. Isso se dá também na manipulação das guerras indígenas entre os indígenas. Os portugueses logo percebem que o modo, a organização social tupinambá, pressupõe a guerra. São sociedades guerreiras, são tribos que lutam entre si. Mas há uma dimensão ritual, uma dimensão construtiva, digamos assim, nessas guerras. Os portugueses manipulam isso para utilizar alguns indígenas contra outros, algumas tribos contra outros, com o objetivo de conquistar escravos, conquistar esses trabalhadores. O entendimento que os portugueses estavam tendo de que podiam escravizar os índios foi um dos principais motivos dos índios começarem a queimar os engenhos, queimar as novas sítios coloniais e entender que os brancos eram invasores. Quer dizer, demorou para os índios interpretarem que os brancos estavam aqui para ficar e para tomar a terra e, se possível, escravizar os donos da terra. Os indígenas vão reagir, eles vão reagir, e temos aí um início de um conflito que é essencial da colonização. A história da colonização é a história da conquista contínua, da guerra contínua, para ocupar o território e dominar os povos. Isso tem um início lá nos anos de 1530. e vai percorrer toda a nossa história. Nós estamos em guerra. Eu não sei porque você está me olhando com essa cara tão simpática. Nós estamos em guerra. O seu mundo e o meu mundo estão em guerra. Os nossos mundos estão todos em guerra. A falsificação ideológica que sugere que nós temos paz é pra gente continuar mantendo a coisa funcionando. Não tem paz em lugar nenhum. É guerra em todos os lugares o tempo todo. Ao contrário do que muita gente diz, de que os empreendimentos portugueses tiveram que trazer... Negros da África para cá porque os índios não quiseram ser escravos, isso é uma tremenda mentira. Os índios foram escravizados à exaustão, foram mortos aos milhares, sendo explorado pelo... pelo trabalho escravo. Os escravos indígenas foram utilizados durante todo o período da colonização. E, legalmente, a legislação estabelecida pela monarquia, já em 1570, criava... condições jurídicas para legitimar a escravização dos indígenas. E essa escravização se deu com o fundamento da guerra justa. Grosso modo, se os indígenas se recusam à fé, são contrários à fé, portanto, é justo guerreá-los. Como é justo guerreá-los, então, significa que é justo matá-los, é justo ocupar os seus territórios e é justo escravizá-los. Eu escravizo o indígena para salvar a alma dele. A própria igreja católica mesmo tentou evangelizar e muitos que não aceitavam eram mortos, né? Muitos de nós eram proibidos de falar a língua, eram proibidos de de assumir um nome indígena, por exemplo, né? Tinha que negar para poder ser aceito. Então, muita gente negou a sua própria identidade, né? Para poder evitar o preconceito ou mesmo para evitar ser morto. Foi só no início do século XVII, ou seja, por volta de 1620, 1630, que os escravos africanos começaram a ser a maioria nos engenhos de açúcar. Até então, a maioria dos trabalhadores escravos eram indígenas. Os portugueses para o sertão, com o gado, com essas fazendas, estão encontrando indígenas. São os mesmos indígenas, alguns que recuaram do litoral, fugindo do contato e da guerra, ou indígenas que lá... viviam há milhares de anos e que resistem. Começam a pôr gado, uma fazenda de gado, os indígenas comem o gado. E isso é interpretado pelos portugueses, os povos indígenas estão atacando as fazendas de gado. estão impedindo a expansão da nossa economia, impedindo, portanto, o avanço do império cristão. Tanto é que logo nos anos 60 começa a surgir uma imagem, que depois é reiterada, de que... A expansão portuguesa no sertão está sendo parada por um muro que o demônio criou no sertão. Um muro de índios bárbaros, índios selvagens, que resistem à presença portuguesa. Essa guerra se define como total, efetivamente, numa reunião que ocorre na Bahia, em 1669, e nessa mesa grande, como eles chamam, uma grande reunião, se estabelece que, então, a partir de agora, as guerras contra todos os índios do sertão são todas guerras justas, porque os índios do sertão são bárbaros que resistem à expansão da fé. Então, agora, como que se declara uma guerra total? Nesse processo, né, a uma certa altura, você não tem mais volta. E eu acho que o ponto de vista, assim, o momento que você não tem mais volta nisso, é o momento em que, de um lado, as epidemias estão graçando de maneira... Imagina o seguinte, o Anchieta fala de 30 mil mortos indígenas, mortos por varíola no recôncavo baiano. Não dá nem para enterrar todo mundo. Você tem que ter essa ideia que de repente o mundo começa a acabar. Todo mundo começa a morrer. Uma série de surtos de doenças enfraqueceram enormemente essa humanidade indígena que não estava preparada para isso. Quer dizer, a ideia de utilizar essa fragilidade biológica, essa ausência de anticorpos e contaminar os indígenas. e levar essas doenças a eles, isso está o tempo todo dado. Então, em certo sentido, há uma guerra biológica. O que se passou aqui durante o processo colonial é da... Se colocar a demografia, como alguns estudos sugerem, na ordem de 80 milhões para as Américas, isso em 1500, 1492, você verá que o que desapareceu é boa parte da humanidade em 100 anos. Então, a gente normalmente não tem esse... Essa dimensão do fato talvez tenha sido, proporcionalmente na história da humanidade, um dos maiores holocaustos populacionais que a gente tem notícia. Os próprios portugueses vão ler essas guerras. promovidas na segunda metade do século XVII e vão lamentar o fato de que foram guerras de extermínio, dizendo, bem, no final nós conquistamos esses territórios, mas despovoamos esses territórios, porque o extermínio dos grupos indígenas também nos... nos deixou vastos territórios sem povos para ocupá-los. Com essa articulação entre contágio, matando por doença e assalto aos lugares onde os índios viviam, a gente chegou ao século XX. Com uma política do Estado brasileiro, já na República, que era de parar de matar aqueles índios. E é o que o Marechal Rondon fez, quando ele criou o Serviço de Proteção ao Índio, que precisava de ter um contingente de nativos vivos para constituir a nacionalidade. Música Os senhores não poderão ficar omissos Música Os senhores não terão como ficar alheios a mais essa agressão movida pelo poder econômico, pela ganância, um povo que habita casas cobertas de palha. que dormem em esteiras no chão, não devem ser identificados de jeito nenhum como um povo que é o inimigo dos interesses do Brasil, inimigo como os interesses da nação e que coloca em risco qualquer desenvolvimento. O povo indígena tem regado com sangue cada hectare dos 8 milhões de quilômetros quadrados do Brasil. Os senhores são testemunhas disso. Essa guerra é contínua, ela não foi um fato histórico que acabou, não serve. Ela fez parte de toda a expansão do Brasil por outras regiões, além da costa atlântica. Ela fez parte da entrada nos sertões de São Francisco, ela fez parte da entrada na Amazônia, ela fez parte depois da própria ação do Brasil. O Brasil, na região fronteira do Chaco, faz parte da guerra com o Paraguai também, ela integra esse episódio. Ela faz parte da expansão cafeeira, da borracha, depois do cacau na Bahia. Todos os grandes ciclos econômicos de desenvolvimento, os índios sempre foram atingidos pesadamente. Índios e anomames morreram em choque com garimpeiros. Nós estamos de fronte de um múltiplo homicídio que eu não posso deixar de caracterizar como genocídio. Os índios alegam que essas são suas terras originárias, onde viveram seus antepassados e de onde eles teriam sido expulsos. Já os produtores rurais dizem que eles são os verdadeiros donos. Essa proposta de emenda constitucional defendida pela bancada ruralista passa para o Congresso a decisão de demarcação de terras. O relatório também proíbe a ampliação de terras indígenas já demarcadas. Quando o índio invade, há uma reação do produto. a esse impasse, a morte, mas a morte de um lado e morte do outro. A guerra que a gente vive para ter os direitos garantidos, a guerra que a gente enfrenta para manter a nossa cultura, a guerra que a gente enfrenta contra... os madeireiros, né? Então, a gente diz guerreiro porque é uma palavra que vem de guerra mesmo, e a gente vive numa guerra constante, né? Todo dia, é um dia após o outro, né? Sem saber quem é que vai mais ser vivo, quem é que vai mais ser morto. A guerra é um estado permanente, né? Da relação entre os povos originários daqui, que foram chamados de os índios, Sem nenhuma trégua até hoje, até agora, segunda-feira de manhã, quando nós estamos aqui conversando. Indígenas atearam fogo num caminhão e numa colheitadeira que custam mais de 500 mil reais. Indígenas tomaram três armas dos militares e atearam fogo na viatura e ainda agrediram os policiais. Esse impasse sobre quem realmente... têm direito sobre a terra já dura décadas aqui no Mato Grosso do Sul. Os ruralistas também avançam para um outro objetivo, que é o de invadir e explorar as terras que estão na posse e sendo preservadas pelos povos. Caioá, nós não temos mais a esperança que o governo brasileiro vai resolver para nós. Desde 2012, mais de mil índios foram vítimas de violência no Mato Grosso do Sul, sendo 95 assassinatos e 13 casos de violência sexual. Os garimpeiros fizeram uma emboscada para recuperar uma espingarda que os índios haviam roubado. Dois garimpeiros e cinco Yanomamis morreram. Os líderes dizem que o problema não aparece nos jornais locais. Enquanto o poder público não toma uma decisão, abre-se espaço para a polícia. Passo para a violência. Música Havia já na África uma escravidão e um tráfico de escravos dentro da África. Vejam bem, os africanos não são um povo, não são uma nação. Os africanos são indivíduos. que habitam num continente que se chama África. Então, havia nações diferentes que se guerreavam, exatamente como na Europa, mais precisamente como nos Balcãs, nessa época, o nome escravo vem de eslavo. porque os escravos se vendiam, os eslavos se vendiam uns aos outros, porque uns eram muçulmanos e ainda tem conflito até hoje, os outros eram de religião ortodoxa, e havia um comércio no Mediterrâneo tão forte dos eslavos que o nome escravo, eslavo, slave em inglês, passou a determinar o nome de toda a escravidão moderna. povo, ele era derrotado através dos conflitos internos, eles passavam um determinado período na condição de escravizado de determinado povo. E o que foi que eles fizeram, os portugueses? Aproveitando dessa condição, eles começaram também, além de comprar as especiarias existentes no Congo, eles começaram a comprar também esses escravizados de guerra, de combate. Os portugueses aproveitaram essa tradição e se serviram dessa mão de obra. A princípio... em próprio Portugal. Você tem um contingente grande de escravos no século XVI africanos transportados para Portugal. Posteriormente tentaram isso nas ilhas, na madeira, sobretudo. Onde começou, onde é o grande laboratório da cana-de-açúcar em Portugal é a madeira, basicamente. Então, a madeira foi uma espécie de laboratório e os portugueses começaram a usar a escravidão lá. A igreja tinha interesse também nesses homens e nessas mulheres. E eles justificavam porque eles teriam pecado original, né? E para redimir-se desse pecado, eles teriam que submeter-se à escravidão. Era uma forma de você pagar os pecados originais. E com isto, eles também eram batizados já lá no continente africano. tendo em vista o tamanho, a dimensão do Brasil e a população portuguesa, que é muito baixa. Ele devia ser o quê? Um décimo, pouco mais que isso, da população indígena do litoral brasileiro, a população de Portugal, país. Então, você tem uma desproporção muito grande, território muito grande, pouca gente para colonizar. E você não encontrou ouro de imediato, o que foi fundamental também. Os espanhóis chegaram e encontraram ouro de imediato. Os portugueses, não. O único modo que eles encontraram de colonizar foi plantando. Essa plantação já tinha uma tradição, e essa tradição trazia o escravo consigo. Massa de africanos que veio em 300, 350 anos, em torno de 12 milhões que teriam chegado. É uma proporção que não vai acontecer de novo. E nessa dimensão, transferir maciçamente gente de um continente para o outro, uma transferência forçada. Eu calculo de cada 100 indivíduos entrados no Brasil, entre mil... Em 1850, 86 eram africanos escravizados. Então, isso é uma coisa que devia ser ensinada no ensino médio. Aliás, esse debate sobre por que estudar a história da África no Brasil, porque nós somos fundamentalmente um povo formado por africanos. Quando eles chegavam aqui, eles eram direcionados para os maiores locais de produção de cana-de-açúcar. Esses africanos, quando eles estavam aqui, eles iam para esse local e tinham uma expectativa de vida também muito curta. A expectativa da época era em torno de 20 anos, quando a população em geral era um pouco maior, 30 anos. Mas você imaginar que a média do escravizado seria de 20 anos era porque a escravidão naquele período... ela era extremamente brutal. Ela fazia com que as pessoas trabalhassem cerca de 12, 16 horas por dia e dentro de alguns anos, 10 anos de trabalho, a média, muitas dessas pessoas já estavam inválidas e quando não morriam. e significaria uma espécie de um acampamento militar. Os primeiros documentos que datam sobre a Organização dos Quilombolas é de 1597. Muitas vezes eles estavam protegidos por paliçadas, por cercas. É muito interessante a gente lembrar que... esses palmaristas não estavam totalmente isolados. Eles sabiam muito bem o que estava acontecendo nas vilas. E quando havia uma expedição contra Palmares, muitas vezes, antes dessa expedição sair, quando estavam marchando lá, uma coluna de homens contra Palmares, os palmaristas já tinham sido avisados de que havia uma expedição para destruir alguns quilombos. As expedições tinham tamanhos muito variados, dependendo do objetivo e dependendo de quem organizava. Porque se é uma expedição particular, digamos assim, ela vai contar com contingente menor, porque aquele senhor de engenho, aquele capitão... ele vai ter que bancar a própria, ele vai ter que oferecer o alimento, ele vai ter que levar os próprios escravos, né? Isso é muito interessante. Escravos também participavam das expedições carregando. Quem que vai carregar a comida? Quem vai carregar a artilharia, né? Então índios também participaram. O Terço dos Henriques, que eram escravos que receberam a liberdade, depois formaram uma milícia dos homens pretos, que eles chamam na documentação, também foram levados para lutar contra Palmares. E você teve uma guerra dentro da guerra, porque você teve a invasão holandesa, que dura 20 e poucos anos. E durante esse período é que Palmares vai ter uma grande ascensão. A invasão holandesa desestruturou toda a sociedade colonial portuguesa, com a destruição dos engenhos, da economia. Então, isso favoreceu que muitos homens e mulheres... escravizadas, elas fugissem dos engenhos, porque os engenhos foram queimados. Isso criou uma janela de oportunidade para muitos escravos fugirem dos engenhos que vinham sendo abandonados pelos senhores devido aos ataques dos estrangeiros, né? E com isso, esses escravos procuravam os abrigos mais lógicos, que seriam as regiões de floresta, de mata, serra... que tivesse algo para eles sobreviverem. E a região de Palmares era propícia por isso. Isso fez com que a população palmarina desse um salto de quantitativa enorme. Chegou no auge de aproximadamente... de quase 20 mil pessoas. Palmares era um conjunto de vários mocambos. Os mais famosos eram de macaco, andalactute, tabocas, de zumbi, dambraganga, ozenga. Aqualtune, Acotirene, Macaco, que era um dos principais, tinha cerca de 6 mil pessoas. E é interessante a gente comparar com Recife, que por volta de 1650 tinha cerca de 8 mil pessoas. Há uma cultura política que esses escravos trazem das regiões ali de línguas banto, então ali da região do Congo Angola, que é a origem da maioria dos escravos que vêm para a capitania de Pernambuco. A gente sabe que existia... alguns líderes principais, e existia também uma espécie de um conselho de pessoas mais velhas que auxiliavam no governo daquele local. Nessa cultura política, há um líder, que ele é um líder tão... tanto religioso, que nós podemos dizer, ocidentalmente falando, quanto um líder militar e político. Esse líder é um sacerdote que tem a principal função de se comunicar com os ancestrais. Essas são culturas muito ligadas aos seus ancestrais, às suas linhagens, que são também cultuadas com o que nós, ocidentais, chamaríamos de divindades. O zumbi suspeita-se que pode ser um cargo de liderança. Não um nome de pessoa, mas um cargo de liderança, um nome de uma função. O indivíduo é um zumbi, ele ocupa a posição de zumbi, de comandante ou de capitão em chefe, sei lá, alguma coisa desse gênero. Até o próprio nome dele vem de um cargo, que significa o senhor da guerra, o deus da guerra. Então ele é um líder, tanto militar, quanto espiritual, quanto político. Os palmaristas, eles também faziam incursões, muitas vezes vingativas, de punição, vamos dizer assim, contra as fazendas próximas, quando eles sofriam algum ataque, por exemplo. E essas incursões palmaristas muitas vezes destruíam engenhos próximos e também capturavam outros negros escravizados que estavam naquela região e levavam para Palmares. Em Palmares, poderia haver algum tipo de cativeiro. Há registros de soldados falando que existiam cativos lá, isso principalmente na época de Ganga Zumba, só que essas pessoas tinham algumas condições... E elas poderiam se tornar livres depois de um tempo. Então era diferente do tipo de escravidão que existia dentro do sistema colonial. Você não vai encontrar documentos afirmando que em Palmares havia escravos. O que você vai encontrar... É uma leitura dessa tradição que faz a seguinte lógica. Se nas regiões africanas havia escravidão e eles trazem essa cultura para cá, aqui também haverá. A escravidão que havia na região do Congo... Conga Angola não é uma escravidão dentro dos moldes do capitalismo ou do mercantilismo, se for preferido chamar assim. Não é uma escravidão para produzir o lucro. É uma escravidão que vem de uma tradição para pagamento de dívida, prisioneiros de guerra. São esses os escravos que estão no Conga Angola. Esses escravizados que estivessem lá em Palmares, acho que até é mais interessante a gente utilizar o termo cativo, ele poderia ser solto, por exemplo, quando... ele participava de uma expedição contra os engenhos. Ele poderia se tornar livre. Quando aquilo tomou uma dimensão muito grande, que virou um polo de atração, tornou meio inviável a escravidão ali em volta, aí tinha que destruir. E aí é muito interessante, porque vem um missionário lá italiano, ele disse, olha aqui, isso aí, essa guerra de Palmalhão é uma roubada, vamos lá combinar com eles, vocês vivem aí. E não aceita mais escravo que fugido, e aceita aí um missionário, bota aí, faz aí uma igrejinha, como se fosse uma tribo de índio dessa, uma aldeia dessas aí do mato, e tudo bem, ficamos elas por aí. Aí o padre Antônio Vieira escreve um documento violento, disse nada disso, se se deixar os caras ficarem lá, os outros negros vão perceber que... dá para fugir e haverá palmares pelo Brasil afora. E ele era pela destruição de palmares. Todos os negros fugirão para palmares com todo o seu cabedal que não é outro que o seu próprio corpo. Uma expedição comandada por Fernão Carrilho, um capitão que vem do Sergipe. E quando ele chega, ele organiza um arraial. Ele fica cerca de quatro, cinco meses ali na região dos Palmares e faz diversos ataques até conseguir capturar alguns parentes de Gana Zumba. Isso acaba fazendo com que Ganga Zumba capitulasse, fizesse o acordo de paz com a coroa portuguesa. Os quilombolas, a partir daquele momento, deixariam todos os mucambos e passariam a residir em um mucambo cedido pela coroa portuguesa, que era o mucambo de Cucaú, e passariam, a partir daquele momento, a ser... reconhecido como súbdito do rei de Portugal. E um outro ponto do acordo importante era de que quem tivesse nascido em Palmares seria livre, mas quem tivesse fugido para Palmares seria novamente reescravizado. E provavelmente esse foi um dos termos do acordo que fez com que grande parte dos palmaristas não concordassem, incluindo o zumbi. Então teve uma cisão ali, uma quebra. Uma parte dos palmaristas concordaram com Ganga Zumba e outra parte, a grande maioria, não concordou com Ganga Zumba e ficou do lado de zumbi e continuou na Serra da Barriga. Esse acordo de Kukaú dura cerca de dois anos. de 1678 até 1680. Quando Ganga Zumba é morto, ele é envenenado. Acreditam até por dissidentes do próprio grupo de zumbi e de outros palmaristas que não tinham acordo em relação a Kukaú. E as expedições têm que continuar até que o próprio Cucaú é invadido e cerca de 200 pessoas são feitas prisioneiras ali, devido à falha do acordo de paz. Então, o Cucaú é considerado também um território rebelde e uma expedição é feita lá para acabar com aquele problema. Os bandeirantes são refugio de guerra. Essa gente foi toda, de certo modo, arregimentada pelo Salvador Corrêa de Saibenevites para ir combater em Angola, os holandeses. Quando você desmobiliza, você traz essa gente de volta e desmobiliza... Essa gente não tem o que fazer. Eles são bandoleiros, são bandidos, são mercenários. Combateram em Angola como mercenários e sempre levaram uma vida no mato como bandeirantes. Então, essa gente não havia o que fazer com ela. Muitos deles foram ocupados dessa forma. eram, formavam tropas, mercenárias, para combater ou índios alevantados ou negros quilombolas. Matavam milhares de indígenas, roubavam, faziam razias nas vilas, etc. Tudo que eles pegavam, que eles precisavam para o exército deles, que era enorme também, mais de mil pessoas entre indígenas e brancos pobres e tal, mas tudo que eles pegavam, eles roubavam das vilas vizinhas. Então tudo isso tornava eles uma... um grupo não muito querido entre a própria população de Pernambuco. Eles fazem mais de uma expedição, que não dá tão certo, até que em 1694, eles são realmente preparados a construir uma contracerca. Eles chegam até o mocambu principal, na Serra do Barriga, e lá eles constroem uma cerca paralela, para conseguir subir então a cerca dos habitantes de Palmares e para conseguir romper aquela estacada e entrar no mocambu. importante também que é o Bernardo Vieira de Melo, que ele é de Pernambuco e ele organiza... É uma tropa, inclusive ele leva uma espécie de canhão para lá, o que é muito curioso. Fico imaginando ele subindo aquela região mais íngreme, com mato, subindo com uma peça de artilharia nas costas, provavelmente os escravos carregando. para, no meio da chuva, do ambiente úmido, tentar fazer aquele canhão funcionar para romper aquela seca. E lá estava a principal força armada dos palmarinos. Estava lá. Há relatos dizendo que havia montanhas de corpos de pessoas mortas, de negros, que foram mortos ali, que foram reunidos em certo local. Muita gente morreu. Agora, é lógico que, sendo uma... com mais de 20 mil pessoas, e ali em Macaco também alguns milhares, muitos morreram, outros foram capturados, agora uma boa quantidade também deve ter fugido para outras regiões, para outros mocambos. O zumbi conseguiu fugir e criou um novo mucambo. Quando, no dia 20 de novembro, o capitão André Furtado conseguiu aprisionar um dos amigos de zumbi, depois de o torturar bastante, ele, evidentemente, denunciou onde o zumbi estava residindo. Você tinha o leite do rio, Paraíba, e aqui era como se fosse uma cachoeira. Cai a água diretamente... a água continua no seu leite. Nessa caída de água, aqui dentro você tinha uma caverna. O que acontecia? Era onde ficava residindo grande parte desses comandados de zumbi. Eles caíam dentro da água e depois subiam. As pessoas achavam que era uma forma de eles ficarem permanentemente escondidos. Não precisava criar residência. Aqui lá dentro você tinha essa caverna. Então, quando o chamou, ele indicou quem era zumbi dos Palmares. e ele foi literalmente fuzilado, sua cabeça foi decepada e colocada, exposta lá na cidade do Recife, para mostrar como símbolo, dizendo que é todo aquele que tentasse organizar uma resistência contra o sistema escravocrato colonial português, teria aquele fim. O zumbi é um herói nacional, indiscutível, mas ao mesmo tempo... a violência contra a população negra continua. Eu dou um exemplo concreto. O aeroporto de Maceió se chama Aeroporto Zumbi dos Palmares. Tudo bem. Mas Alagoas é um estado onde mais se assassina jovem negro. As vítimas de negros de 18 ou de 16 a 25 anos, as estatísticas em Alagoas são as mais fortes. Quer dizer, é uma tolerância com uma violência específica. em cima da população jovem negra no Brasil, que é intolerável. Mas ainda hoje existem muitos remanescentes quilombolas que ainda lutam pelo reconhecimento da sua terra. Os quilombolas, assim como as comunidades indígenas, conseguem ter uma outra relação com a terra. E é importante a gente valorizar isso. É importante a gente conseguir reconhecer e tratar esses territórios com dignidade e com os direitos que eles precisam ter. Pelo menos eu soubesse meu verdadeiro sobrenome, meu país, minha terra. Ah, se eu soubesse, já era. Se minha carne fosse vista diferente, se eu olhar fosse mais inocente, se eu não tivesse que ser forte, nem dependesse da sorte. Se antes do diabo que me pintam por ser o que sou Ou da deusa que cultivo pelo mesmo motivo Eu fosse pessoa Pessoa antes de mulata Se eu não tivesse que falar na lata Se eu não tivesse que gritar Ainda ia ter graça Me ver sangrar? E se eu quisesse me vingar? Ou cês acha que nós não lembrava do estupro da escrava? Que cês ainda comemorar são porque o resultado? A linda miscigenação. Ou cês acha que nós esquece a tragédia dos mec mec que termina lá no citotec? Sim, aborto. A pergunta agora é se o feto era vivo ou morto. E ela? Crucificada aos 16. Sem ajuda de nenhum de vocês. Sozinha! Pedindo aos céus ajuda de manhinha! Mas aqui só tinha inferno E o julgamento é eterno Se não vai pra prisão, pode ir pro balão Taxada de puta na televisão Pra nós ninguém reserva oração Tudo preto Sem bandeira branca na trama Você já sentiu negra drama? Ou tu só respeita... Se for da família, pede benção pra mãe e não assume a filha. E os mano sempre diz que são todo errado. E aí quer pagar de aliado, mas cês tem que entender nosso lado. Nós não atura papo de mandado, porque o papo não faz curva. Aqui o papo é reto, cê vai se arrepender de me fazer de objeto. Será que um dia tem paz ou será sempre mais um jazz? No cais, sinto o horror do valongo, que lombo dor. É o combo do meu horror, mas você não me parou. Os mortos na matéria, mas... Eu canto aqui pra lembrar essas histórias Em meio ao caos nós vai encontrar a glória Em meio a tanta luta nós vai chegar na vitória É que eu tenho a minha raiz Minha base pra ser feliz Eu invado, eu não me encaixo E você ainda se acha muito macho? Mas nunca viu rastro de cobra Nem couro de lobisomem Se correr o bicho pega Se ficar o bicho come O que eu passei na vida, cês não sabem como é Pra viver na minha pele, neguim Tem que ser muito, mas muito mulher No Paraguai, as leis vigentes eram as leis de sete partidas, que são leis espanholas do século XIII, que permitiam a confiscação de bens. o descerro e também a pena de morte por razões políticas. A tortura era uma prática habitual no sistema judicial. mais nada havia estrito controle das pessoas que entravam do exterior o único ponto de entrada num país que era uma floresta o território desconhecido os únicos pontos de entrada possíveis eram controlados pelo povo pelo exército pela polícia ea função era controlada e é só um lopes era efetivamente o estado tudo o desejo pessoal dele era o desejo do estado e estado e pessoa física se misturavam inclusive quanto ao a uso de propriedades, bens, arrecadação. Uma das primeiras cláusulas da Constituição paraguaia, editada pelo ditador França já em 1811, era o seguinte, dizia, todo paraguaio é obrigado a ter uma espingarda e um cavalo. para ser chamado quando houver necessidade de guerra. Antes da guerra, meses antes da guerra, Solano Lopes tinha convocado todos os homens em idade militar. Então, o Paraguai tinha um exército de em torno de 60, 70 mil homens. O comércio externo estava em ascensão, você estava importando, por exemplo, ferrovias começavam a ser instaladas, e isso aumentou o movimento de arrecadação de impostos também. Então a situação pré-guerra era uma situação de desenvolvimento e, apesar da luta política interna do Partido Liberal, era também de uma estabilidade política. Não havia uma crise de Estado ou da monarquia visível. Com o fim de uma outra guerra, que muitas vezes esquecemos, que chamamos de Guerra do Prata ou Guerra contra Oribe e Roças, desde o fim dessa guerra, o Brasil impõe ao Uruguai um tratado, que é um tratado acachapante para a soberania uruguaia. que permitia ao Brasil entrar em território uruguaio para procurar escravos foragidos. E se não isso, o Uruguai tinha a obrigação de devolver ao Brasil os escravos foragidos. É um tratado no qual as fronteiras são resolvidas favoravelmente ao Brasil. portanto em detrimento do Uruguai, é um tratado no qual se prevê a possibilidade de intervenção militar brasileira em assuntos em termos uruguaios. Por que isso interessa ao Brasil? Interessa ao Brasil porque, outra vez, e essa é uma característica da América do Sul hispânica, O Uruguai, desde a sua independência também, está num cenário constante de guerra civil entre dois partidos. O Partido Blanco e o Partido Colorado. Já em 1860, vem ao poder no Uruguai, Bernardo Berro, um líder do Partido Nacional. o Partido Blanco, e a primeira coisa que o Berro faz é rasgar esse tratado pós-Guerra do Prato, o Tratado de 1851. Sonono Lopes viu, nesse contexto, uma oportunidade de conseguir um governo aliado na região que tinha um porto marítimo que seria garantido para o comércio exterior do Paraguai. Então, Solano Lopes vai apoiar politicamente o governo de Montevideo. E aí apresenta ao Brasil, ao Império do Brasil, quando o Brasil começa a pressionar o Uruguai, o governo blanco, e ameaçar com uma intervenção militar, o Solano Lopes diz que se houver uma intervenção militar... no Uruguai, isso será considerado uma ameaça à segurança do Paraguai. Em outubro de 64, o Brasil desloca tropas para o Uruguai, forçando, portanto, uma derrubada... da presidência do Partido Blanco, não era mais Berro, mas agora era Irre, em Nikai, portanto, e o Partido Colorado volta ao poder por força das tropas brasileiras. A partir desse momento, conforme o ultimato de Solano López, a gente poderia ver nesse momento o começo do conflito. Porque, afinal de contas, era o que tinha dito Solano López. Se houvesse interferência militar brasileira no Uruguai contra os Blancos, haveria guerra. Ele havia lançado uma advertência. O Brasil não interveniu no Paraguai ou no Uruguai, declarando a guerra no Brasil. O Brasil não ouviu a advertência ultimática de Solano Lopes, então Solano Lopes intervendeu e declarou a guerra no Brasil, invadiu Mato Grosso, que não era o centro das operações. E a partir desse momento há o episódio que é tido como o episódio que deflagra a guerra, que é a apreensão do navio que trazia a bordo o presidente da província do Mato Grosso. E sem capacidade de resistência inicial por parte do Brasil. Não havia rota... terrestre consolidada para o Mato Grosso. Então a única forma de ter acesso ao Mato Grosso é via a bacia hidrográfica do Prata, ou seja, o Rio da Prata, o Rio Uruguai, o Rio Paraná, você tem um flanco aberto. aberto, como era a província do Mato Grosso, é um problema imenso, justamente para se consolidar a soberania. Portanto, todo o interesse brasileiro na Bacia do Prata é um interesse que gira em torno à livre navegação dos rios platinos. E é aí que os choques começam a se dar. O primeiro ponto foi tomar Mato Grosso e a partir daí haveria uma caminhada das tropas paraguais em direção ao Rio Grande do Sul com o objetivo último de chegar ao Uruguai para derrubar os colorados e voar. voltar a botar os blancos no poder. E é nesse momento que o Sananó López comete o seu erro estratégico mais grave, que ele faz isso passando pela Argentina. É a partir desse momento, o que já estava claro antes, mas é a partir desse momento que a aliança formal se dá com o Brasil e com os colorados uruguaios, evidentemente. É o 1º de maio de 1865, o dia que se assina o Tratado da Tríplice Aliança. Quando estoura a guerra, o Paraguai conta com 60 mil homens. O Brasil conta com 18 mil homens e a Argentina com pouco menos do que isso. Ou seja, a superioridade numérica é a Paraguai. O Brasil tem um terço apenas das tropas paraguais quando estoura a guerra. O Brasil não tinha um exército e precisava de voluntários. Então, num primeiro momento, quando se teve notícia disso, e foi criado o Corpo dos Voluntários da Pátria, por ato do governo, os quartéis do país encheram-se de homens. querendo ir para a guerra. Então, por exemplo, em Salvador, a população, os homens tiveram que ser dispensados porque não tinha quartel para todo mundo. São pernambucanos, são baianos, maranhenses e gaúchos que lutam lado a lado. Isso, inclusive, causando tensões regionais. Os gaúchos falando... Os baianos não sabiam montar a cavalo, os baianos comemorando 2 de julho nos campos de batalha, improvisando moendas para moer cana, por exemplo, e tomar um caldo de cana. Isso em todo o Paraguai. Numa guerra, o comandante de um batalhão, de um regimento, recebe uma ordem. Essa ordem, ela é dada a partir de certos pré-requisitos. Quando ele chega no local de operações, no teatro de operações, e ele vê que os pré-requisitos mudaram, que o contexto mudou, ele tem que... se adaptar a esses novos contextos. Mas não exército de um ditador, não. Porque se ele não cumprir a ordem do ditador, ele vai ser considerado um traidor. Se aquilo não der certo, vai ser culpa dele. Então, ele não ousa dizer não e não ousa não cumprir a ordem do ditador. No caso... do Paraguai em Riachuelo, e não só em Riachuelo, aconteceu isso. O comandante da esquadrilha paraguaia era o comandante Messa. Ele tinha ordens de sair de Humaitá, descer com uma esquadrilha de noite e chegar. Riachuelo é um pequeno riacho que deságua no rio Paraná. Chegar na foz do Riachuelo, onde estava a esquadra imperial fundeada, abaixo de correntes, e atacar a esquadra imperial quando o sol estivesse saindo. Só que na descida, um dos navios da Esquadrilha Paraguai quebrou a hélice. Aí o sol já tinha aparecido. Quer dizer, a tripulação dos navios brasileiros já estava começando a acordar. Qual seria a lógica desse comandante? O ataque podia ser no dia seguinte. Só que a ordem de Solano Lopes era atacar naquele dia. Aí ele vai para o ataque. Ele acaba perdendo. o combate e é destruída a Esquadrilha Paraguaia. Nesse instante, que é junho de 1865, o Paraguai fica cercado, fica um país isolado do resto do mundo, porque não tem acesso à Europa pelo rio. Ali naquele momento, o Paraguai deixou de ter acesso a armamento e deixou de ter comércio exterior. O primeiro conflito em que são tropas nacionais que participam, isso, portanto, significou um certo entusiasmo, pelo menos inicial, com o conflito, porque de fato se esperava que o conflito seria rápido, era o Mitre, na verdade, que dizia. Em uma semana nos quartéis, em um mês no Paraguai, em três meses derrotado Solano López. Foi muito mais do que isso, a guerra durou muito mais do que isso. A presença de soldados estrangeiros no Paraguai provocou uma reação. nacionalista. Elegaram com maior interesse, com maior brilho, quando se tratou de defender o território. Uma guerra que mobiliza toda a população, até os filhos, até as mulheres. O plano militar qual é? É ocupar Assunção. Uma ação em que a marinha sobe pelo rio e o exército aliado vai por terra, próximo ao rio, até chegar a Assunção. O Maitá é um centro defensivo, em torno dele tem trincheiras que vão sendo ampliadas. durante a guerra. Os aliados vão acampar durante dois anos num território seco que deve ter mais ou menos 10 quilômetros quadrados. Então você tem 40 mil homens, aí vai ter problema de doenças, problemas higiênicos, a água... A água é poluída por cadáveres que são enterrados, porque era um areal aqui. Então, Solano Lopes, para tentar reverter a invasão aliada, ordena um ataque surpresa ao exército aliado. São três colunas. Uma vinha pelo lado esquerdo, uma pelo centro, outra pelo flanco direito. E empurraria os aliados de volta para o rio. E é coordenada as três colunas, só que uma coluna atrasa. Aí o Osório, que até então era uma figura relativamente desconhecida... Então, passa a ser o general mais popular da guerra, sobe no cavalo dele, consegue organizar as tropas, marcha sobre os paraguaios e consegue reverter. Então, tem uma matança dos melhores soldados do exército paraguaio aí. Talvez tenham se perdido 10 a 12 mil homens nesse combate. Teve que fazer pilhas de cadáveres, porque não havia nem como enterrar tantos cadáveres. Então, aí, foi quebrada, vamos dizer assim, as pernas do exército paraguaio, que mantém uma capacidade ofensiva muito limitada. Agora... a capacidade passa a ser uma capacidade defensiva. No tratado da Tríplice Aliança existiam quatro protocolos secretos. Esses quatro protocolos ficaram sem ser divulgados. São os protocolos que afirmam que o Paraguai não podia se render, que só se aceitaria a rendição do Paraguai sem condições, incondicionalmente. Então era impossível para um governo como era o governo do Solano Lopes se render incondicionalmente. O Brasil não tem conhecimento do território paraguaio. Nenhum, em termos topográficos. Em Curupaiti havia uma espécie de barranco, um terreno muito pantanoso, muito úmido, de difícil mobilidade das tropas, portanto, e deu-se um cenário no qual as tropas paraguaias ficaram acima do barranco e as tropas aliadas abaixo, portanto. Isso significava que a capacidade de impacto do Paraguai era muito maior do que a aliada. Por isso, houve efetivamente... que pese uma superioridade numérica aliada, houve essa derrota para os aliados. Foi a única e grande derrota aliada na guerra, custou mais ou menos, provavelmente, 10 mil mortos aliados, sendo meio a meio 5 mil brasileiros e 5 mil argentinos. Isso significava que coisa de escamba completamente. O recrutamento cai, cai imensamente. Por quê? Porque a guerra está demorando mais do que se previa, porque há casos de cólera constantes, porque as notícias de dificuldades... nos campos de batalha chegam ao Rio de Janeiro. São pessoas que não têm nenhuma indumentária apropriada, não suportam o frio do minuano, que é aquele vento gélido, que varre as roxilhas gaúchas, que retiram os seus sapatos para andar. nos charcos, porque eles sabem que uma vez sem aquelas botas e aqueles sapatos, eles não teriam reposição. Então, mal vestidos. As tendas não eram preparadas para aguentar nem o rigor do vento, nem o rigor da chuva. Então, haviam goteiras nas tendas que estavam armadas para os nossos soldados. O abastecimento de comida vai ser extraordinariamente vagaroso. As tropas passam fome muitas vezes, comendo apenas frutas silvestres ou então o gado que conseguia matar. Esses voluntários da pátria eram caçados nas ruas, porque essa gente vinha agrilhoada, muitas vezes vinha sob correntes para servir no exército. Era costume nas cidades dar uma grande festa popular ao homem. que a festa estava no auge, distribuíam bebidas, cercavam a praça da festa, capturavam os homens e eles iam ser voluntários da pátria. É a partir desse momento, não por acaso, que o governo imperial percebe isso, por pressão de Pedro VI. segundo em boa medida percebe-se a necessidade de reorganizar as tropas não está dando certo as tropas não estão avançando com a velocidade necessária estão claudicando em campanha estão sofrendo derrotas não é como aquela na batalha de curupaiti no conflito então é preciso encontrar alguém que tivesse a capacidade experiência militar para reordenar para reorganizar as forças brasileiras o coaxias era um grande milita ele impôs disciplina no exército, ele criou um corpo de comando eficiente. É o momento em que o Caxias insiste para trazer novas tecnologias bélicas para os frentes de batalha. A partir desse momento se usam balões, por exemplo, durante o conflito. Isso tudo com a chegada de Caxias. Caxias promove essa reorganização das tropas e os resultados não se deram imediatamente, mas eles começam a aparecer, a tal ponto em que a fortaleza de Humaitá é superada. Agora, a partir desse momento, não é que não existe possibilidade de vitória de Solon Lopes. É praticamente certa derrota. E, no entanto, ele vai manter a resistência. Vai continuar a guerra. No final de 68, com as batalhas da Dezembrada, o Caxias toma Assunção. Assunção está esvaziada por ordem do Salão Lopes, está vaziazinha. Então não existe nenhum combate para ocupar Assunção. A tropa, chega a tropa argentina e brasileira. O comandante argentino dá ordem... Se ninguém entrar em Assunção, e a tropa brasileira entra e saqueia a cidade. E o Caxias escreve ao imperador que a guerra está terminada. Aí o Caxias se demite do exército. E se demite... do exército por uma questão digna. Ele não quer ser o coveiro do Paraguai. Escreve uma carta ao imperador dizendo que, imperador, para vencer esse povo teremos que matar o último paraguaio no ventre da sua mãe. E o imperador insiste, não, a guerra só acaba quando Solano López for efetivamente capturado. A captura de Assumpção não é suficiente. No fim do conflito, as tropas paraguaias estão completamente exauridas, a tal ponto que o Solano López se vê forçado a recrutar crianças, colocando crianças de 12, inclusive menos, inclusive menos do que isso, lutando nos frentes de combate contra soldados, brasileiros, sobretudo, naquele momento, no final do conflito. O Campo Grande é porque é um campo plano, uma pequena elevação, um bosque. Então, o exército comandado pelo general Cabageiro está nesse bosque com alguns canhões e o exército imperial está aqui do outro lado, a uns 3 quilômetros. E aí é dada a ordem de ataque. A ordem de ataque é a cavalaria. Uma carga de cavalaria é um negócio impressionante. Vêm dezenas, centenas de cavalos, o cavaleiro estando a um metro e meio, dois de altura. E é um atrás do outro. Se um cavaleiro caiu de trás, atropela ele e mata. Crianças paraguaias de 12 anos que haviam sido amputadas de um braço, isso antes de entrar no conflito, e estavam lutando com uma espada no braço que restava, coisas do gênero. E crianças justamente de 12 anos. E é o seguinte, são quatro anos de guerra nesse momento, parte desses homens está na guerra desde o começo, a racionalidade, o pensar o que fazer, também não há mais espaço. Na hora do corpo a corpo... corpo que se percebia, que eram crianças lutando. É verdade que não houve congelamento do conflito nesse momento, não houve retraimento das tropas brasileiras. Combateram até vencer determinada batalha. Foram queimados vivos todos os feridos. A maior parte dos feridos eram paraguaios. Inclusive no Paraguai esse dia é o dia da criança. E é uma caçada Solano Lopes, num país que você não tem mapas, que é uma floresta, você sabe apenas que ele fugiu, pra onde ele fugiu. Por exclusão, vai chegar que ele fugiu para o noroeste. Mas onde no noroeste? Então vai ser uma caçada que vai demorar mais um ano. E ele vai ser alcançado em 1º de março de 1870. As consequências da guerra foram traumáticas para o Paraguai, que 75% da população masculina maior de 20 anos morreu. Destrucción, retrocesso. Essa não rendição paraguaia é um fator também de crueldade no conflito. Da mesma forma que a persistência de Pedro II em somente declarar vencedor... em si da guerra com a captura ou a morte do Solano López. Uma guerra de miseráveis contra miseráveis. Um exército em andrajos de ambas as partes, mal nutrido de ambas as partes, sem o armamento adequado de ambas as partes. E não é à toa, portanto, que nós vamos ter a abolição, porque o soldado branco ou pardo que lutou ao lado do soldado negro agora sabe que são irmãos em arma. Então o exército não vai mais perseguir escravos fugidos, o Caxias diz isso de cara. Desde o final da guerra, a caserna está se politizando. A caserna, no baixo oficialato, começa a... ...dar algumas ideias republicanas. É o que acontece, algum tempo depois, em 1889, com o nosso 15 de novembro, a Proclamação da República, que é um golpe militar. É um golpe civil-militar, porque há participação civil também, mas é um golpe que parte também e, sobretudo, da casenda. É um golpe militar. Nossa República começa com um golpe. E termina com um golpe também, pelo menos a Primeira República. Música Música No final do século XIX, era uma sociedade mais rural que urbana, cujo ativo econômico mais importante era o café. E claro que havia outras produções econômicas, agrícolas, mas o café era a majoritária, que mais rendia a receita. para o Brasil. Você tinha uma sociedade em torno de 70% a 75% de analfabetos. Então, era uma sociedade quase que totalmente letrada. Um país recém saído da escravidão que... estava recebendo uma onda imigrantista muito grande. Então, isso traz uma configuração, do ponto de vista social, de um grande número de excluídos que migram para a cidade e que ali vão disputar os poucos postos de emprego que existiam, o que gera uma pobreza generalizada e um processo de exclusão muito grande. Se eu produzo um bem que vai ser vendido lá fora, a minha mão de obra é só um custo de produção. Eu não dependo dela. Se eu puder reduzir esse custo ao mínimo, melhor para mim. Então, no caso dos fazendeiros paulistas, toda a força... O trabalho aqui no Estado é antes um obstáculo, um custo de produção, do que um mercado consumidor. Ou seja, se surge uma reivindicação, essa reivindicação só pode atrapalhar. empresário. Por exemplo, se ele quer folga semanal ou se ele quer um aumento de salário, isso não vai trazer nenhuma vantagem para ele. Então, o relacionamento, por exemplo, do empresariado paulista, desses cafeicultores paulistas com a sua força de trabalho, é um relacionamento pautado sobretudo na repressão. Por exemplo, nas greves de 1917, aqui em São Paulo, você tem uma repressão feroz. No Rio Grande do Sul, o governador Borges de Medeiros, ele recebe os trabalhadores, concede aumentos salariais, obriga os empresários a pagarem esses aumentos, que é um contraste muito grande. Mas vão surgindo visões de mundo diferentes e até, a certo ponto, antagônicas, que é isso que um pouco vai conduzir à Revolução de 30. Pela Constituição, que é a primeira Constituição Republicana de 1891, não era vedada a mulher votar. Dizia-se, são eleitores, cidadãos maiores de 21 anos. Mas ninguém teve essa preocupação de impedir o voto feminino, porque ninguém... pensava na possibilidade da mulher votar. Então, não dava proibida a mulher votar. E nos anos 20, não, foi antes disso, na década de 10, no Rio Grande do Norte, algumas mulheres quiseram votar e quiseram ser candidatas. baseada nessa ausência, nesse silêncio sobre a participação feminina no voto. A população para votar precisava ser alfabetizada, o número de analfabetos era muito grande no Brasil e, portanto, a participação política da população por via eleitoral, ela não era grande. Você proibindo o voto do analfabeto... 80% da população brasileira não podia participar de eleição. Havia também uma crença generalizada, que era verdadeira, que tinha fundamento, de que o voto valia muito pouco. Porque as possibilidades de controle dos resultados eram muito pequenas. Você não tem uma justiça eleitoral até 32. Então, o mesmo poder que se candidata é o poder que gerencia a sua própria renovação. Então, quem cuidava das eleições? o Legislativo e o Executivo, eles que gerenciavam os processos eleitorais. Então, não havia um terceiro poder que inibisse a fraude. Então, se achava, e isso era verdadeiro, de que o voto não valia nada, na medida em que a fraude tinha um impacto muito grande sobre os resultados. Cada sucessão presidencial funcionava mais ou menos como um jogo de disputa entre os estados hegemônicos e alguns estados satélites, que ficavam ali sob o comando desses estados hegemônicos. Então, a cada candidatura era refeita... negociação, era refeito um pacto. E nós tivemos, no iniciozinho da República, até Campos Salles, nós tivemos um período de hegemonia dos militares e do PRP, do Partido Republicano Paulista. Então, havia uma hegemonia desses dois grupos, que foram os grupos que proclamaram a República. Depois, nós temos um período, depois de Campos Salles, de muita renovação de grupos políticos, de estados no poder. Então, você tem a aliança entre Rio de Janeiro, Bahia, Rio Grande do Sul e Minas. Depois, São Paulo fica fora dessa articulação, até pelo menos o governo Epitácio, em 1919. Você tem uma aliança... São Paulo mesmo é com Bernardes, em 1922. Assim que ele é eleito, começam protestos, alegando que as eleições foram fraudadas e a frente desses protestos estão os tenentes. E os tenentes exigem que ele não tome posse. E por isso é que eles fazem a revolta, as várias revoltas, entre elas a revolta do Forte Copacabana. Acabam sendo massacrados, assassinados, são metralhados na praia, né? A areia fica cheia de sangue, então tem um tom de dramaticidade nesse período, né? Só escapam dois, né? Por isso que ficou tão forte essa imagem do movimento tenetista ligado a 22. O caso do... E 1922 foi uma espécie de abertura de movimentos que expressavam essa insatisfação. Porque é claro que era um ato heróico nesse sentido, independentemente do que se pense dele e tal. Porque aquilo não tinha nenhuma... Era um ato heróico, simbólico, porque aquilo não tinha nenhuma possibilidade de vencer, de ter êxito. Mas tinha. O que eles conseguiram foi uma repercussão e se criou o mito dos 18 do forte. Nesse sentido, eles venceram. A insatisfação era o poder estava muito fragmentado na mão dos grandes estados e havia, portanto, um país ligado a um sistema federativo, instituído num sistema federativo, que ia muito... contra a ideologia das Forças Armadas, que era uma ideologia de centralização, uma ideologia com traços evidentes de autoritarismo e que pretendia construir uma nação a partir de um centro. centro forte, de um governo central. A crítica à República é muito contundente, dos resultados que a República não entregou. Que tipo de crítica? Começa a se falar, olha, nós não democratizamos, nós não demos acesso à terra a todo mundo, nós não demos o direito ao voto a todo mundo, as regalias e a corrupção é generalizada, os políticos são bacharéis e pouco trabalham, só cuidam dos seus interesses pessoais, o nosso voto não vai... vale nada, porque a fraude política predomina no país. Então o Brasil precisa de intensas reformas, a caristia, porque usava-se o termo caristia, ou inflação, a caristia está muito alta, as pessoas estão desempregadas, enfim, começa uma crítica muito grande. A ideia é ganhar na m... aquilo que eles não deram na urna, né? E é um projeto golpista, né? É um projeto golpista, é um projeto de violência. Então vamos mudar, queremos a deposição do presidente. Eles bombardeiam São Paulo e, seja por incapacidade técnica, seja por, talvez, por uma vontade de terminar aquilo o mais rápido possível, não tiveram muita consideração com o prédio. com residências, com coisa nenhuma. Então a destruição foi bastante grande. A repressão foi forte, mas mesmo assim eles conseguiram dominar a cidade durante muito tempo. Eles foram heroicos nesse sentido e tiveram apoio popular. Parte da população não aderiu naturalmente, mas parte da população apoiou, escondeu os soldados. Os situacionismos, eles ficam, evidentemente, em alerta total. Essa, se a revolta de 22 era ameaçadora, sem dúvida nenhuma, a de 24, muito mais. Aí, a cidade de São Paulo assiste a uma série de episódios que materializam para a população da cidade o que é o confronto político. O que é o confronto político violado. armado, porque não era só um questionamento de montagem de oposição intra-oligárquica e disputa eleitoral, era alguma coisa que significava um desdobramento e um questionamento armado do poder dessas oligarquias. Lideranças oposicionistas temem essas revoltas, as cúpulas hierárquicas não querem essas revoltas, porque em relação ao... a um plano de um exército. Norte nacional moderno, isso não tem lugar, né? Isso precisa acabar. Os tenentes são um grupo emergente que estão fora do poder e querem o poder. Mas você tem umas oligarquias jovens aí, jovens que a gente fala na faixa dos 30, 40 anos, que também estão fora do poder e que é muito ativo. A gente chama eles de tenentes civis. De quem nós estamos falando? Oswaldo Aranha, Virgílio de Mello Franco, João Neves, é o próprio João Pessoa, né? Lá na Paraíba. Então você tem um grupo que, de certa forma, eles estão entrando no circuito oligárquico, mas... não estão assim no poder, né? Eles estão querendo ser protagonistas do regime. Aí eles começam a conspirar, começam a conspirar em aliança, né? Então, é... E tem uma lógica que a gente tem que entender também, que é a lógica das sucessões presidenciais, que eu acho que foi rompida, né? E isso, de alguma forma, os leva à revolução. Porque você podia ter um grupo só crítico. E isso não resultasse na Revolução. Mas esse grupo se uniu, esse grupo civil, o tenente civil, se uniu a esses tenentes militares, que também, por sua vez, se uniram às antigas oligarquias, que estavam divididas, e isso resultou na Revolução de 30. E aí Considerando o script, o que aconteceu? Getúlio e João Pessoa concorrem às eleições contra Júlio Prestes e perdem. Isso era uma novidade? Não. As oposições perdiam. Vargas, antes da eleição, fez um pacto com o Washington Luiz, né? Isso todos os historiadores falam, a documentação afirma, né? O Washington Luiz chamou ele lá e falou assim, o Vargas, você vai se aventurar em ser um candidato de oposição a ele. Aí o Washington Luiz faz um acordo com ele e fala assim, olha, se você fizer uma campanha discreta, não sair do Rio Grande do Sul, você vai perder a eleição, eu vou ganhar e eu vou poupar o seu Estado. Então foi difícil para os caras tirarem o Vargas de casa. Ele não saía, ele não saía do Rio Grande do Sul. E ninguém entendia por que ele não fazia campanha. Ele era arrastado. Ele fazia campanha na marra, porque os tenentes civis ficavam ali obrigando ele a mexer, a se mover e tal. Mesmo assim... assim ele teve uma votação muito considerável. O problema é que os resultados das eleições foram em março e naquele momento você estava tendo a eleição para o presidente da República e também para o Congresso. Isso nem sempre ocorria, porque o mandato de presidente da República eram quatro anos e do Congresso três. Então nem sempre havia coincidência, mas eventualmente coincidia. Mas depois das eleições havia um momento de diplomação dos deputados, que a gente chama de verificação de poderes. Você diploma os deputados, e alguns deputados não são diplomados, outros são. E nesse período da verificação foram degolados 17 deputados mineiros. Quem foi degolado? Considerados deputados não eleitos. E esses 17 eram exatamente os deputados da Aliança Liberal. Todos os deputados da Paraíba não foram reconhecidos, e o Rio Grande do Sul foi todo reconhecido. Quer dizer, é a prova patente de que houve um acordão. A CIDADE NO BRASIL O João Pessoa é morto num café no Recife, na época todos ficam sabendo, todos que eu digo, porque dá no jornal, né? Dá nos periódicos. E isso foi... muito bem aproveitado por aqueles que queriam que a conspiração se tornasse efetivamente uma revolução em armas. Com essa morte, eles conseguiram galvanizar o que havia de opinião pública, uma certa articulação também popular, uma indignação popular, trouxeram o corpo do João Pessoa. pessoa para o Rio de Janeiro, para a capital. De certa forma, isso deu vida ao movimento, isso deu um emblema para o movimento, uma figura emblemática. E o movimento, a articulação se retomou e acabou redundando na Revolução, no dia 3 de outubro, que começou no Recife e, basicamente, no Recife, Minas e Pernambuco são os centros principais. O Vargas sai do Porto Alegre, pega a estrada. em direção a São Paulo, era a estrada que ligava Porto Alegre a São Paulo. E ele fica nesse trem e a cada momento, cada estação, ele é obrigado a parar. E ele é recebido por milhares de pessoas. Teve um comício da Aliança Liberal que falam que tinha 100 mil pessoas. Então era um movimento de massa. No que ele vai caminhando no trem, ele é obrigado a parar. E no diário dele, aí você vê como ele era um cara já deprimido, ele já tinha tentado suicidar antes, ele era um cara muito deprimido. E como ele se sentia entediado com aquelas pessoas. Ter que dar autógrafo, ter que parar, abraçar todo mundo. Ele fala que aquilo era um peso para ele. Era um peso ter esse contato popular. Ficou mais de dez dias sem poder tomar banho. E dormia super mal, sempre teve dificuldade de dormir. Ele fazendo aquele trajeto, dias, de tanto que as pessoas paravam para saudá-lo como novo presidente. Música Música Você tem um candidato que venceu as eleições e você tem um grupo insatisfeito que vai tomar o poder coordenado, num movimento coordenado por militares. Quer dizer, os civis, eles articularam a revolução, eles conspiraram a revolução, mas quem fez a revolução foi o... os militares. Eles é que foram para as fronteiras, eles que foram para as trincheiras. Claro que os gaúchos, os mineiros, os paraibanos estavam em torno desses militares, mas é uma revolução militar, é um golpe de Estado. Houve, pela primeira vez, o reconhecimento muito hábil do Getúlio, do Collor, do Oswaldo Aranha, dessa gente toda, de lideranças sindicais que passaram para o getulismo, de que... existia uma massa urbana sem direitos, descontente, e que era preciso enquadrar essa gente e dar alguma coisa para essa gente. Que foi a famosa doação, entre aspas, da legislação trabalhista e tal, que foi o germe... do populismo. Isso aí não é possível pensar no pré-1930. Você tem, no pós-30, uma justiça eleitoral que é criada, você tem uma reforma do Código Eleitoral que institui o voto feminino, você passa a ter a verdade das urnas, que era a plataforma, o voto secreto passa a ser, de fato, praticado, você muda a composição do parlamento, você passa a ter uma representação corporativa de empresários e trabalhadores no parlamento. Então, você muda a representação política, que era objeto de crítica, faz uma nova Constituição. É um avanço do país no sentido da modernização, mas também um avanço de procedimentos antiliberais, autoritários e, nesse sentido, de uma legislação crescentemente de exceção, que vai fazer com que o custo dessa modernização seja alto. Obrigado. do ponto de vista, sobretudo, de direitos civis e políticos. É uma proposta de nova organização do Estado e da sociedade que não é nem a liberal, nem a socialista. Essa proposta é antiliberal e antissocialista. E ela desenha uma... A terceira possibilidade de se encontrar a modernização a partir de um Estado forte, de um Estado autoritário. Não vamos esquecer que no início da década de 20, Mussolini está no poder na Itália e no início da de 30, Hitler está no poder na Alemanha. O contexto é de montante autoritária e descenso liberal. A revolução de 30, no seu imediato, Ela deixa resultados extremamente ambíguos. Música Uma guerra de baixa intensidade na definição da ONU mata até 10 ou 15 mil pessoas por ano. Nós matamos 60 mil, quer dizer, só isso dá uma ideia do tamanho dessa encrenca. Então esse número coloca o Brasil em primeiro lugar no mundo no ranking de quem mata mais. Em 1969, os militares decidiram fazer emendas à Constituição. E entre essas emendas estava a reintrodução da pena de morte no país para determinados crimes, que eram exatamente aqueles determinados... crimes praticados pela oposição armada ao regime militar. Então o clima era um clima terrível no país, né? E exatamente nesse momento se descobriu que dentro do presídio do penitenciário Milton Dias Moreira, no Rio de Janeiro, no continente... continentes. Havia armas e dinheiro emparedados em algumas celas, e esse dinheiro era proveniente de roubos de banco praticados pela ALN, pela Aliança Libertadora Nacional. O que enfureceu os militares, eles pegaram aqueles presos, todos que tinham condenação mais grave, roubo armado, homicídio, tráfico, tráfico nem era uma coisa importante naquela época. Mas todos os presos políticos se enfiaram dentro de um navio, um navio granelheiro, no porão de um navio granelheiro. Dispacharam todos para a Ilha Grande. A Ilha Grande era uma colônia penal desde tempos remotos, né? E nunca foi um presídio propriamente dito, porque ele tinha área de trabalho no campo, ele ficava em frente ao mar, chamavam aquilo de o paraíso, cercado por um mar perigoso, por mata fechado, sem meios de transporte para o continente, não são os barquinhos de pescador. Os falanges eram falanges por origem geográfica. Então tinha falange de zona norte, da zona norte do Rio de Janeiro, tinha falange de zona sul, tinha falange do Jacaré, falange da Coreia. E apareceu depois do desembarque desses quase mil presos. lá a falange vermelha porque a falange vermelha que os presos condenados pela segurança nacional tinham na ficha do de zip uma tarja vermelha o pessoal da falange vermelha foi trancafiado na galeria p que era conhecida como fundão fundão porque dali ninguém via o sol era uma galeria de isolamento mesmo Tinha muita violência sexual, os caras cobravam pedágio nas galerias, para você atravessar a galeria tinha que pagar, eles roubavam a comida dos mais fracos, as famílias que traziam doces, frutas, tudo desaparecia, os remédios sumiam. Então, para enfrentar isso, eles começaram a tomar iniciativas coletivizantes. Por exemplo, criaram uma farmácia feita com doações. Depois, eles adotaram os presos que tinham sido abandonados. pelas famílias. Então essa forma de associação é que gerou o que é hoje o grande drama brasileiro, que é a questão da criminalidade organizada. Fora as desigualdades do país, essa questão é a mais grave. Você tem assistência jurídica? Que assistência jurídica? Aqui não tem nada, aqui é imigrante, aqui é lugar do ganha-lei de uma porta, aqui não dá nada a ninguém, aqui não tem nada. Nós não temos uma roupa de cama, nós não temos sabonete, nós não temos nada, absolutamente Era um presídio onde faltavam milhares de tênis e chovia dentro do presídio. Os presos diziam que aqui as paredes choram, porque a insalubridade chegava a esse nível. Então resistir a isso produziu essas organizações, essas formas de organização. Se eu receber um bom tratamento, eu vou ser um bom interno. Se eu receber um mau tratamento, vou ser o interno mais periculoso que era. Esse grupo, ele se tripartiu lá nos anos 80, formando a Comando Vermelho, o ADA e o TCP. E esses caras saíram pelo Rio de Janeiro procurando um local para se instalar, normalmente nos grandes... mundiais se instalam na periferia, mas o Rio de Janeiro, a periferia está dentro da cidade que são os morros. Para proteger o seu negócio, o seu feudo, o seu império, eles começaram a se armar. Começaram a se armar, na minha visão, não só para fazer isso para impedir a entrada da polícia, mas para impedir que os grupos rivais não viessem tomar o seu mercado. Você começa a ter um crescimento muito grande da cidade e da região metropolitana de São Paulo a partir dos anos 60 e uma sensação de vulnerabilidade crescente da população. E é quando o homicídio passa a ser visto como um instrumento... de controle da desordem que passa a ser vista como ameaçadora. Então, você começa a ver as favelas crescerem, uma grande leva de imigrantes chegarem e as pessoas começam a sentir medo e falar da violência como uma forma de solucionar o problema. Em 1968 surgem os primeiros esquadrões da morte, com o Sérgio Paranhos Fleury, que começa a matar bandido, justificando que assim ele deixaria a sociedade mais segura. Em 1970 surge a rota que passa a agir nas periferias, também sempre com o argumento de que o extermínio ou o homicídio é uma forma de controlar o crime. Para você lidar com ele, quando as autoridades não punem o homicídio por meio da justiça... o que está matando. Isso produzia um ciclo de vingança, ciclos e conflitos entre grupos que passavam a se armar, a ver os rivais como inimigos e iniciava essa espiral que a gente viu aqui em São Paulo. As penitenciárias brasileiras, como prova a própria história da Falange Vermelha, não têm servido exatamente para recuperar os criminosos. Sem condições mínimas de dignidade, os presos se amontou em celas e pátios onde perguntavam... permanecem quase sempre no mais absoluto ócio. O resultado não poderia ser pior. A partir dos anos 90, começou a se prender muito. Depois do massacre do Carandiru, se multiplicou os presídios e aumentou o aprisionamento. Ao mesmo tempo, sem o Estado ter condições de administrar dentro dos presídios. O massacre do Carandiru, ele incita dentro de um contexto de intensa violência do Estado. Naquela época, naquele ano, a polícia militar bateu recordes. de letalidade, em 92. Nos anos anteriores, já tinham ocorrido várias intervenções violentas da polícia militar nos presídios paulistas. Então, eu sempre digo que o massacre do Carandru não é um episódio isolado, ele vem dentro de um aumento crescente de violência institucional. No dia 31 de agosto de 93, houve uma partida de futebol, houve uma briga entre os times e houve dois homicídios. Então, o grupo que cometeu os homicídios fez um pacto de proteção. mútua, de união para enfrentar a administração prisional. E aí, a partir dali, teria sido formado, constituído o PCC. Eram presos que estavam no anexo da casa de custódia e para lá eram enviados os presos que eram considerados mais perigosos. Então, a maioria deles era proveniente da capital, né? Então, estavam em Taubaté, onde era esse presídio. cumprindo uma espécie de castigo. Essa unidade prisional era uma unidade de castigo. O anexo se chamava Piranhão, para você ver as condições de administração daquele prédio. Tinha todos aqueles... aqueles ingredientes do surgimento do Comando Vermelho na Ilha Grande. Então é uma reprodução quase automática. Uma política de encarceramento que vai provocar uma supernotação do espaço prisional, que vai impedir que o Estado efetivamente faça a gestão da população carcerária, aliada a um sistema que é em si mesmo corrupto e extremamente violento, esse é o cenário em que o PCC surge e que tem... espaço para esse discurso, né? E tem espaço para a proposta que o PCC traz para organizar a população carcerária. A partir de 94, e isso vai aumentando durante os anos 90 e começo dos anos 2000, aumentam muito os episódios de rebeliões no sistema prisional paulista. E essas rebeliões têm um caráter... extremamente violento, a grande maioria delas, vários presos são mortos e decapitados. Isso que acontece hoje em outros estados, acontecia aqui em São Paulo com muita frequência. É a maior rebelião já organizada na história do país. Ao todo, 32 penitenciárias se rebelaram ao mesmo tempo. A rebelião é uma prova de força do PCC, que demonstra que o Estado pode estar perdendo o controle sobre o sistema penitenciário. Nesse episódio, o PCC coloca as suas bandeiras, né? É o primeiro momento que vem a público, vem à tona de uma maneira bastante contundente, né? Porque até então, veja, o Estado dizia, né? O governo. Não, não tem grupo nenhum. Isso aí é coisa da empresa. imprensa, fantasia, etc. Ora, você ter um evento em que 29 unidades prisionais se rebelam de uma maneira sincronizada e que ficava evidente já na época que era combinado que... se comunicavam entre si, então isso foi muita coisa, foi uma coisa assim, absurda, porque o governo no final não admitia nem que existia o grupo, como é que o grupo já era, já tinha condições de se articular dessa forma. Ele permite que pessoas ligadas ao grupo ganhem seus próprios recursos vendendo drogas e gerindo suas biqueiras. Você paga uma mensalidade para gerir essa máquina burocrática que faz essa mediação. essa organização da cena e do mercado do crime. Compra armas, fornece empréstimos, tudo mais. Então, às vezes, o indivíduo quer assaltar um banco, mas ele não tem um fuzil, ele não tem uma metralhadora, enfim. Eles fornecem o material sediável. muitas vezes por empréstimo, em troca de uma parte daquele valor, ou muitas vezes alugado a um preço fixo anterior. Se o indivíduo perder, ele vai ter que restar sim, enfim. Então, o PCC acaba sendo uma rede, ele acaba permitindo também a posição que alcançaram hoje de dinamizar essa rede criminal. A redução dos homicídios em São Paulo, ela está associada diretamente à expansão do PCC no Estado. Não porque o PCC seja bonzinho, os heróis, mas simplesmente porque eles dominam o mercado de drogas. E eles exercem uma regulação muito eficaz nas relações sociais do mundo do crime. Então, hoje, na periferia, tanto como na prisão, ninguém pode matar outro porque está devendo droga. Você vai ter que ter toda uma regulação. regulamentação para saber como é que o outro vai pagar, se vai pagar, se vai apanhar, enfim, mas tem uma regulação. Então os homicídios, aquele mata-mata, aquele bang-bang que caracterizou a década de 90, isso acabou. Então a hegemonia do PCC no Estado interrompeu esse ciclo. Veio gente do Rio de Janeiro para operações aqui em São Paulo, basicamente de lavagem de dinheiro, de compra de postos de gasolina, essas coisas pequenas para lavar uma fração do dinheiro do tráfico aqui em São Paulo. do PCC foi para favelas do Rio de Janeiro, se não me engano, foram sete favelas do Rio de Janeiro, montaram operações de venda de drogas, então começou a haver uma troca de negociações entre eles. E que chegaram mais tarde... à distribuição de territórios pelo país. O PCC cuida do mar do sul do país, o Comando do Hermínio de Máscara, região norte e nordeste, e ambos ali na região do centro-oeste brasileiro, por causa das fronteiras, por causa da questão do Paraguai, da Bolívia, etc. Estabeleceram critérios de negociação internacional também, porque o tráfego importante é medido em toneladas, e esse aí vem pelo mar. Vem pelo mar e por vias oficiais de importação e exportação. Oficiais, quero dizer. Essa transferência da forma que foi, essa coisa articulada, 700 presos juntos, madrugada, com condições que a gente não sabe exatamente as quais, isso foi o que detonou esse evento. Em 2001, haviam sido 29 unidades prisionais. Cinco anos depois, foram 76 unidades prisionais em São Paulo, que se rebelaram simultaneamente. E o que é novo, foram... executados diversos ataques às bases policiais, às forças de segurança fora das prisões. O PCC, segundo consta, tinha oferecido o perdão de dívidas no tráfico para que essas coisas esquadrilhas do lado de fora colocassem seus homens na guerra e participassem de forma contundente. Então, o senhor não precisa pagar o que você nos deve esse mês, mas eu quero que você vá lá e faça um salseiro em São Paulo. A execução de policiais, agentes penitenciários, diretores de presídios, juízes, promotores, o que eles pudessem pegar. O Estado respondeu com uma força desproporcional e também matou muita gente. Houve execuções ilegais, houve acertos de conta, justiçamentos, entendeu? Ou seja, é um caos. Agora, o papel da Força Pública é saber lidar com isso. E eles não sabiam, eles não conseguiram lidar com aquela rebelião, a não ser por meio de uma conversa direta com a liderança do PCC. Saiu de São Paulo um aviãozinho oficial do governo, levando o comandante do policiamento do interior da PM, levando um representante da Secretaria de Segurança, levando uma advogada que dizia que era advogada do Marcola. Chegou lá, ela não foi reconhecida por ele. Falou, você não é minha advogada. Mas o fato é que ela estava lá dentro. E lá conversaram, o que vocês querem? O Estado não assume nem que exista crime organizado, né? Quanto mais que negocia com eles. Nenhum risco para o país. Não tem a mínima possibilidade de se negociar com um bandido. Ponto final. Quando a gente concebeu isso, eu dizia para as pessoas, se nós vamos procurar instalar um programa de segurança cujo nome é UPP, Unidade de Polícia Pacificadora, no momento que eu vou... vou procurar executar esse programa, botar ele em prática. Se eu tiver que dar um tiro, eu, para mim, já perco um pouco o seu conteúdo. A ponto de antes... das ocupações, eu ir para os meios de comunicação e dizer, amanhã nós vamos ocupar. Exatamente para as pessoas tomarem as providências que entendessem que tinham que tomar. E fui muito criticado, porque os traficantes fogem. Deixa eles fugirem. O que eu quero é devolver o território para aquelas pessoas. Nós pegávamos capitães recém-saídos ou capitães que não tinham muito vício, seja da guerra e muito menos da convivência com a corrupção, e colocávamos eles ali. Quem eles iam comandar? Policiais recém-saídos. sem saídos da academia. Então você tinha um grupo, de uma certa forma, homogêneo, onde este capitão, este tenente, este oficial, podia trabalhar eles da maneira como quisesse, podia montar sua equipe. São casos de corrupção policial, acusações de agressões aos moradores. No início estava funcionando porque só tinha recruta. O recruta não tinha noção do que estava acontecendo. Quando eles viraram policiais, ele disse, epa, como é que fica isso? E o meu? Sai isso no jornal, não estou falando novidades não, sai no jornal. Eu começo a ser sócio do tráfico. A polícia no Rio de Janeiro é sócia do tráfico. Como é que tem traficante sem acerto? Como é que tem pessoal que está na rua vendendo ambulante sem acerto? A origem da UPP é fazer controle territorial. Quando ela crescia e quando ela não crescia. Pra onde que ela ia e pra onde que ela não ia. Essa falácia da guerra é pra manter controle da favela. Isso é uma sofisticação do século XXI pra você ter o domínio. Em Pedro Juan Cabaleiro, houve um desembarque de uma força-tarefa conjunta do Comando Vermelho com o PCC. Consta que eram 150 homens, armados com o que havia de melhor, envolvendo gente egressa da... FARC colombiana, gente até do IRA envolvida nisso, mercenários. E a ideia era o quê? A ideia era assumir o controle do tráfico na fronteira com o Brasil e despachar o principal traficante local paraguaio que incomodava um cartel de drogas, especialmente de maconha. eles resolveram acabar com a brincadeira dos paraguaios. Chegaram lá, mataram esse cara, usaram uma metralhadora antiaérea de calibre 50mm que destroçou o carro blindado dele. Após esse episódio do Pedro Juan Cavalheiro, o Comando Vermelho... e do PCC romperam suas relações, porque eles funcionavam como sóis dessa grande quantidade de organizações, eles eram os eixos polarizantes e trabalhavam em conjunto, eles eram sócios no negócio da droga, por exemplo. Quando essa associação se desfez, aí a pulverização virou uma coisa mais grave. E aí houve aquele massacre de presídios, que é uma coisa absolutamente inacreditável que um país do tamanho do Brasil viva um negócio desse. como se fosse a coisa mais banal do mundo. Você executar dezenas de pessoas na cadeia, cortar-lhe as cabeças, jogar para cima do muro, e não tem um governante que tivesse tomado a frente lá para, por exemplo, decretar uma intervenção naquele estado onde as rebeliões estavam acontecendo. Por quê? Porque não tem interesse político, porque não quer mexer nesse negócio e não quer assumir a gravidade desse negócio. Aqui no Brasil é o único país do mundo em que aquilo que se chama, se atribuiu a crime organizado foi criado dentro de instituições do Estado. Então, por exemplo, os cartéis do México, da Colômbia, enfim, mas tem outra história aqui no Brasil. No Brasil, todos esses grupos são criados dentro de prisões. Então, acho que está mais do que na hora de se repensar as escolhas políticas que se tem feito. Porque o processo de encarceramento, a forma como nós encarceramos... A forma como a nossa polícia atua, a violência, a arbitrariedade, todas essas formas de lidar com conflitos e com o próprio crime, elas levaram a essa situação de hoje. Então, como a gente vê, apostar na continuidade disso ou é burrice ou tem alguém que lucra com todo esse cenário. Música